XVII. Glenn Lynch

18 3 2
                                    

Até que enfim, o guerreiro de olhos vermelhos havia chegado até ele. Ele passou anos esperando por aquele acontecimento. Nos textos sagrados dizia: "O guerreiro" e muitos acabavam interpretando como se o guerreiro fosse do sexo masculino, mas, os textos sagrados foram escritos na língua antiga, a palavra que foi usada era: "Cuchulain", porém, essa palavra não havia gênero. Sendo assim, poderia ser uma guerreira. Ela era perfeita, inteligente, corajosa, ousada, habilidosa e bonita. Tudo o que Glenn Lynch esperava.
Cael de Norrad o sumo sacerdote da casa do Deus da morte e da destruição foi a procura dele, assim que nasceu foi levado pelos adoradores até a casa de Norrad, foi lá que cresceu e aprendeu tudo o que sabia . Ele foi criado para trazer os Deuses a esse mundo, para trazer a luz ao mundo de Ecco. Mais antes desse dia chegar, era preciso juntar os itens e as pessoas escolhidas.
- A guerreira é quieta ou cortaram a língua dela? - Dylan perguntou zombeteiro.
- Ela vai falar - Glenn carregava sua parceira no colo - De tempo a ela.
Kaelin havia tomado uma surra da guerreira, precisaria de cuidados urgentemente.
Eles haviam chegado até o navio cinza, a embarcação patrocinada pela casa Norrad.
Eles subiram até o convés com ajuda da tripulação, o escolhido passou pela multidão que se formava para ver a guerreira de olhos vermelhos.
- Onde está Marenna? Kaelin se machucou! - Glenn disse para ninguém em especial.
- Ela está vindo - Um homem respondeu.
A tripulação queria tocar a guerreira de Drunkar, pois achavam que ela era divina, sagrada e que traria sorte. Allyria observava com olhos de águia e durante o caminho até ali não tinha pronunciado uma palavra, ele sabia que não era medo, era desconfiança.
- Estou aqui - Uma mulher vestida de verde apareceu.
Glenn percebeu a surpresa na guerreira ao ver uma iniciada da Deusa Sahan com eles.
Marenna era uma excelente curandeira, sabia manipular poções, ervas e cristais. Já havia salvado a vida de muitos homens do navio e da casa de Norrad. Assim como os iniciados do Deus Drunkar, os iniciados da Deusa Sahan também tinham cor divina nos olhos. A cor deles era violeta. Marenna observou o corpo de Kaelin com aqueles olhos violetas vibrantes.
- Ela bateu a cabeça - Glenn explicou.
- Leve ela até minha sala - Marenna disse com sua voz fina.
O escolhido entregou sua parceira para um homem de confiança e assim eles seguiram a curandeira até sua sala. Glenn foi até o seu pequeno palanque improvisado para dar algumas notícias a tripulação. Hoje era o dia mais feliz da sua vida e merecia comemoração.
- Companheiros e companheiras, hoje recebemos um presente dos Deuses - Ele levantou a mão no ar e o povo gritou em comemoração - A guerreira veio até nós! - Gargalhou - Falta tão pouco, por isso, hoje iremos comemorar! Peguem o vinho e a cerveja. Os Deuses sorriem para nós! Viva Norrad - A tripulação dava gritos de alegria.
Ele estava rindo de prazer, quando seu olhar encontrou os olhos vermelhos da guerreira, seu sorriso aumentou ainda mais.
- Venha - Glenn chamou Allyria com a mão - Quero te apresentar para algumas pessoas.
A guerreira não respondeu nada, apenas o seguiu, sempre observando tudo. Dylan seu seguidor fiel os seguiu. Eles subiram a escada que dava para a porta do quarto do capitão, Glenn não bateu, nem pediu licença, ele não precisava da permissão de ninguém. Ele era o escolhido.
- Deus Norrad seja louvado! - Cece correu até a guerreira e beijou sua mão - Até que enfim veio até nós minha querida. Estavamos te esperando.
A guerreira a encarou sem demonstrar nenhuma expressão no rosto.
- Cece essa é... - Ele coçou o queixo lembrando que não sabia o nome da guerreira - Qual é o seu nome mesmo?
- Allyria - A guerreira respondeu.
- Allyria - Ele disse maravilhado - Cece essa é Allyria, a nossa guerreira. Allyria essa é Cecily ou Cece para os mais íntimos - Ele piscou para a mulher.
Cece já tinha seus quarenta anos, a pele do rosto já estava começando a enrugar, seus cabelos eram castanhos com alguns fios brancos espalhados, nariz fino, olhos azuis claros e vestia uma túnica cinza. Ela era uma sacerdotisa da casa do Deus Norrad, porém, seus olhos não tinham as cores divinas, porque não existia iniciados do Deus Norrad. Eles eram apenas adoradores que à medida que o tempo ia passando, conseguiam postos de sacerdote ou sacerdotisa, sem grandes poderes como os iniciados.
- Que nome bonito - Cece pegou na mão da guerreira e a puxou pelo quarto.
O quarto do capitão era o maior cômodo do navio, havia um banheiro privativo, uma cama de casal, uma escrivaninha de cerejeira com mapas e papéis espalhados, algumas estantes, um armário, dois baús de madeira e um outro quarto adjacente. A sacerdotisa levou a guerreira ao quarto ao lado com um sorriso nos lábios.
Glenn observou a cena fascinado.
- Querida? - Cece perguntou - Quero que conheça nossa guerreira.
O quarto adjacente era bem menor, duas camas de solteiro, um armário e uma pequena mesa com banco. Na mesa havia vários cristais, ervas e ingredientes para poções e elixires.
Na cama a direita, havia uma menina deitada com as mãos e os pés amarrados. E o que surpreendeu ainda mais a guerreira, os olhos da garota estavam brancos, leitosos, como se não existissem pupilas. Allyria colocou a mão na sua espada por instinto.
- O que estão fazendo com ela? - Allyria perguntou tensa.
- Ela está tendo uma visão - Cece apertou a mão da guerreira - Não se preocupe, ela já está acostumada.
Allyria analisou a garota, devia ter uns quinze anos, era pequena e pálida. Parecia que não via o sol a um bom tempo. Mas, seus cabelos não eram pratas, eram castanhos. A guerreira analisou a cena e compreendeu o que via ali. Não se tratava de uma vidente original, eles estavam usando magia negra para que aquela criança pudesse ter alguma visão. Aquilo era cruel. A magia negra sempre tinha um preço, a pessoa ficava em dívida com o Deus Norrad. Não era uma benção concedida de bom grado pelo Deus, aquilo era barganhar pela sua vida em troca de algum poder. Pessoas que usavam a magia negra tinham vida curta, o poder trevoso corroia a alma da pessoa, deixando-a louca, levando a morte.
- Que os Deuses tenham piedade de vocês - Allyria disse com nojo.
- Eles terão - Glenn respondeu atrás da guerreira - E a piedade deles vai começar por você.
A guerreira virou-se para ele.
- Acha que irei colaborar com isso? - Ela disse entre dentes - Vocês enlouqueceram! Como podem fazer isso com uma criança? Isso é um crime imperdoável, está escrito nos textos sagrados, você leu essa parte? Ou só leu o que te interessava?
- Não ouse citar os textos sagrados - Glenn disse exaltado - Eu sei o que está escrito neles. Mas, esse momento é de mudança e como não temos um vidente ainda, Deus Norrad nós deu outra alternativa. Mesmo que para isso, Celenia morra. A criança está feliz por dar sua alma a causa maior.
- Isso é um crime - Allyria disse cuspindo - Sabe que o nosso manual diz? Por lei, tenho direito de interromper essa barbárie.
- Não me interesso por suas leis, códigos ou o que seja - Glenn deu de ombros - Eu sou a lei agora. E como tal, você deverá fazer o que digo.
O escolhido viu o olhar da guerreira descer para sua pulseira. A roupa de manga comprida ainda estava escondendo, mas, era possível ver o contorno dela. Glenn não conseguiu enxergar nenhuma emoção naqueles olhos vermelhos e isso o deixava com raiva. Ele queria ver o que ela sentia. Raiva? Medo? Desespero?
Ele queria ver o que ela escondia por trás daquela pose, ele queria descobrir seus segredos, seus pecados, seus feitos, os seus amores. Ele queria tanta coisa, mas, faltava algumas peças para completar o ritual. E agora precisavam de uma vidente urgentemente.
Glenn pegou o rosto da guerreira nas mãos, nenhuma reação. Ele apertou e os olhos continuavam o encarando como se nada estivesse acontecendo.
Ele riu de frustração. Deu um puxão em seu braço e a arrastou até sua sala. Fez a guerreira se ajoelhar. Ela não tentou lutar contra, a guerreira estava realmente mantendo sua palavra. Ou talvez ela estivesse com medo do seu poder? Glenn sabia que não, sem aquela pulseira ele não era nada.
Cece os acompanhou deixando Celenia na cama. A sacerdotisa observava a cena com olhos nublados, como se estivesse com a mente em outro lugar.
- Você me deixa louco sabia? - Glenn bateu a mão na mesa.
A guerreira não respondeu nada.
- Eu quero ver emoção de verdade em seus olhos - Glenn foi para perto de um baú e começou a procurar por algo - Eu sei como funciona o treinamento de vocês, dor física não funcionará - Ele levantou o rosto do baú e a encarou - Eu também fui treinado assim sabia? - Ele voltou a procurar o objeto.
Ele sabia onde estava, em uma caixa de ferro no fundo do baú. A caixa tinha uma senha, que só ele e Cece sabia.
- Eu iria deixar só para o dia do ritual, mas, acho melhor adiantarmos - Glenn abriu a caixa em cima da sua escrivaninha, lá de dentro ele tirou um saco de veludo azul.
Allyria pode sentir um poder estranho no ambiente. Uma energia densa, uma coisa trevosa, um aperto no estômago, um arrepio na espinha. Magia negra.
Ele tirou delicadamente um colar de dentro do saco.
E pela primeira vez ele viu terror de verdade nos olhos divinos. Um terror magnífico.
- Você sabe o que é isso, não sabe? - Glenn perguntou irônico.
- O colar - Allyria disse rouca - do Deus Norrad. Onde conseguiu isso?
- Aquele velho do Hegarty - Glenn riu - Ele ganhou esse belíssimo colar do rei. E tenho certeza que aquele velho gordo também não sabia do que se tratava.
O colar era uma fina corrente de prata com um cristal preto do tamanho de um polegar como pingente. O cristal refletia a luz da sala, o que lembrava muito o céu estrelado a noite. Era uma beleza divina, uma beleza sombria. O cristal se alimentava das sombras daquela sala, como uma fera sedenta por sangue.
- Você sabe que é amaldiçoado?
- O que quer fazer com isso? - Allyria perguntou.
Glenn via a respiração da guerreira aumentar. Ela estava apavorada.
- Você sabe que se alguém colocar isso no pescoço, não tem como tirar mais, vai passar o resto da sua vida com esse fardo - Glenn passou a mão pelo cristal gordo e voltou seu olhar para a guerreira.
- Você... Você vai colocar isso em mim? - Allyria engoliu a saliva.
- O laço enroscado em seu pescoço irá ceifar vidas e destruir castelos - Glenn citou - Está escrito nos textos e nas estrelas, esse é seu destino.
Ao lado de fora do quarto do capitão a tripulação trabalha animada com a chegada da guerreira, agora faltava tão pouco. A garota Celenia havia dito a eles que o guerreiro estava chegando e agora as poucas pessoas que duvidaram de sua palavra se arrependiam, rezando aos deuses por terem duvidado. Fazia poucos minutos que o escolhido entrará em seu quarto, quando escutaram gritos vindo de lá. Eram gritos de horror e não eram da menina Celenia, eles já estavam acostumados com suas gritos. Aquele era um grito de pavor.

As três chaves de Ecco - O guerreiro e o escolhidoOnde histórias criam vida. Descubra agora