XXIV. Cael de Norrad

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No alto da torre das cinzas, na cidade de Buch, em Carmel, o único país que tinha o Deus Norrad como patrono, estava o sumo sacerdote Cael com seu fiel conselheiro e ajudante Rodric. O sumo sacerdote já tinha uma idade avançada e sua aparência demonstrava isso, cabelos brancos devido a velhice e longos, assim como sua barba.
Já seu conselheiro era mais jovem, mas, sua aparência lembrava de uma pessoa doente, a pele era muito pálida, tinha grandes olheiras arroxeadas embaixo dos olhos, seu nariz era muito fino, sua boca não tinha cor e sua cabeça era raspada. O corpo do conselheiro era muito magro, quase revelando os ossos, devido ao seu estado ele não saia da torre, por que qualquer cidadão que o visse o repudiaria. Todos reconheciam alguém que usava magia negra ao seu favor.
Um corvo negro pousou na janela da torre, Rodric se levantou de sua cadeira e correu até o pássaro. Ao pé do animal estava amarrado mais uma mensagem. Era do escolhido.
- O que diz? - Cael perguntou de sua cadeira.
- "Estamos a caminho do vidente, a guerreira já está conosco, ela se chama Allyria. Ela é mais do que esperávamos. - Glenn" - Rodric leu a mensagem com sua voz fina.
- Então ele conseguiu - O velho riu - Nosso guerreiro é uma fêmea! Glenn é muito esperto, as previsões estavam certas.
- O que ele quis dizer com: " Ela é mais do que esperávamos"? Será que é obediente? - Rodric rasgou a mensagem e queimou em uma vela da mesa próxima.
- Certamente que não - Cael disse pensativo - Guerreiros de Drunkar são fiéis de mais ao seu Deus. Ele vai precisar de ajuda, tente achá-la no cristal.
- Sim meu senhor - Rodric fez uma reverência e se dirigiu até a sala secreta ao lado.
A sala do cristal ficava atrás de uma estante de livros, para qualquer pessoa que entrasse naquele cômodo ninguém veria o que estava escondido atrás daquelas paredes.
O conselheiro entrou na sala tirando um livro do lugar certo da estante. No centro do quarto encontrava-se uma bola de cristal branca como osso. Rodric pegou uma pequena adaga de sua túnica e fez um corte em sua mão. O sangue se acumulou na ferida e quando se aproximou da bola de cristal passou sua mão ensanguentada em cima, como se estivesse fazendo carinho no artefato.
- Allyria, Allyria, Allyria - Ele cantarolou - Vespertatus antiguare Maleficum romanare controlatu.
Rodric conseguiu ver o rosto da guerreira, pode sentir seu cheiro, pode sentir seu medo, seu desespero.
- Vespertatus antiguare Maleficum romanare controlatu - Ele repetiu.
Ele conseguiu sentir as sombras se aproximando da alma dela. Era tão fácil enlouquecer, sugar sua energia, controlar sua mente. Rodric vibrou com o poder.
- Vespertatus antiguare Maleficum romanare controlatu - Mais uma vez.
Ele conseguiu ouvir o grito dela. Ela estava se entregando. Uma energia estranha bloqueou seu controle.
O grito da guerreira parou e o silêncio preencheu a mente do conselheiro. Alguma coisa estava errada. Ele tentou chamá-la de novo, porém, nada aconteceu.
- Allyria, Allyria, Allyria - Rodric chamou - Veneris a quantirium.
Nada aconteceu.
Rodric apertou o cristal clamando por mais. Aquela pedra havia sido tirada da caverna mais profunda de Ecco, aquele cristal era irmão do núcleo do planeta. A força da natureza estava contida ali dentro, o poder era neutro, magia da forma mais bruta, porém, Rodric estava usando magia negra para convertê-lo. Aquele cristal sempre havia funcionado, não havia motivo para que não funcionasse dessa vez.
O conselheiro pode ouvir uma voz se aproximando. Era uma voz suave. Mas, ele não conseguia entender por que estava muito distante. A voz foi se aproximando aos poucos, até se tornar clara.
Falava em uma língua antiga e para muitos esquecida. Mas, Rodric conseguiu entender a mensagem. Ele se ajoelhou quebrando o contato com o cristal, mas, sua ligação com a magia ainda estava lá. Com medo, começou a rezar pedindo perdão.
A voz ecoou pela mente do sacerdote, até se tornar tão alta que o homem gritou em agonia.
- O que está acontecendo aqui? - Cael invadiu a sala.
O sumo sacerdote pode ouvir os gritos do lado de fora. O velho não estava ligado ao cristal, mas, ele pode sentir a energia antiga que o objeto emanava, só poderia ser um Deus para tal força e poder.
Cael foi a passos curtos até o cristal e tocou a parte ensanguentada com a ponta dos dedos, a energia se dissipou na hora.
- Meu senhor! - Rodric levantou a cabeça, revelando seu rosto molhado pelo choro - Meu senhor!
O conselheiro foi engatinhando até o sumo sacerdote e quando o alcançou agarrou sua túnica cinza como uma criança. Cael viu a loucura e o desespero no rosto do ajudante.
- O que foi que você fez?
- Meu senhor, eu encontrei a guerreira, tentei fazê-la cooperar, mas, não consegui - Rodric dizia apressado - Uma força maior impediu! Nunca senti tanto medo na vida, era muito poderosa.
O velho o encarava desconfiado.
- Era um dos deuses, depois parecia todos os deuses juntos... Nove vozes! Isso! Era todos os deuses! Eles, eles... Deixaram um recado - Rodric disse atordoado.
- Os Deuses falaram com você? Um ser insignificante? - Cael disse sarcástico - E o que eles lhe disseram?
- Eles diziam para me manter longe da guerreira - Rodric disse alterado - Que a escuridão iria cobrar o preço e que nós deveríamos pagar.
- Não temos que pagar nada meu caro, os deuses estão nos devendo muita coisa - Cael riu - Não se preocupe, encontraremos outras maneiras de influenciá-la.
- Mas senhor, os próprios Deuses disseram...
- Quem me garante que eram os Deuses? E por que os Deuses iriam falar com você? Não tente me enganar Rodric! Eu sou velho, mas, não burro. Eu paguei o preço para achar aquele menino! Eu perdi minha alma pelo bem de toda Ecco! - Cael gritou - Não acredito em você. A energia que viu deve ter sido de algum ritual de proteção, a academia de Drunkar é muito esperta - Cael puxou Rodric pelo capuz, o erguendo do chão - Nenhuma palavra do que viu aqui! Entendeu?
- Sim meu senhor! - Rodric se encolheu - Não direi nada.
- Se disser perderá a língua - Cael ameaçou - Escreva uma mensagem para Glenn, diga que iremos ajuda-lo e que estaremos esperando a chegada dele com a guerreira e nosso vidente.
Rodric se curvou pedindo desculpas e saiu da sala correndo para fazer a tarefa que seu mestre havia ordenado.
Cael ficou sozinho na sala do cristal, ele olhou para o sangue na superfície ensanguentada da pedra, seus olhos seguiram o sangue que estava no chão. No local em que Rodric estava ajoelhado havia alguma coisa escrita em sangue. O Sumo sacerdote se aproximou e arregalou os olhos.
No chão, escrito com sangue se lia: " A guerreira é nossa se afaste"
O sumo sacerdote passou o pé em cima, assim ninguém poderia ler. O velho se aproximou da bola e a encarou com superioridade. Se aquilo fosse verdade, significava que haviam chamado a atenção dos Deuses e ele cobraria tudo o que estava fazendo em nome deles. 

As três chaves de Ecco - O guerreiro e o escolhidoOnde histórias criam vida. Descubra agora