[14] O Passado de Usa

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P.O.V—Usa

Acordei de um sobressalto às duas e quarenta e três da manhã.

Tinha tido um pesadelo...

... O mesmo de sempre...

Depois de tentar, em vão, pela vigésima segunda vez, adormecer, eu sentei-me na cama. Não conseguia dormir por causa dos gritos furiosos no piso inferior ao meu quarto.

Estavam demasiado altos para serem ignorados, mas demasiado baixos para serem compreendidos.

E para mim, ouvi-los já não era novidade.

Farta daquela insónia, eu e o meu elefante de peluche abandonámos o conforto dos lençóis e fomos atrás do problema.

Assim que os meus pés tocaram o chão do último degrau da escada, eu vi a cena mais traumática dos meus nove anos de vida. Os gritos dos meus pais, que discutiam violentamente, sem um pingo de compaixão para com o outro.

Não fazia a mínima ideia porque carga de água é que eles estavam a discutir, mas sabia que aquilo iria acabar mal.

E então, aconteceu.

Num gesto violento, o meu pai ergueu a mão no ar e pregou uma bofetada certeira na bochecha da minha mãe.

— Cala-te, mulher inútil!

Tenho tido este pesadelo durante a maioria das noites e a conversa que tive com a minha "afilhada", do primeiro ano, tornou-o mais fresco na minha memória.

Dizem que, o bom de ter um pesadelo é que, quando acordamos, convencemo-nos de que nada do que aconteceu foi real.

Infelizmente, não havia nada de falso naquele pesadelo.

Senti a garganta e os olhos a arderem e suspirei pesadamente enquanto belisquei o meu pulso com toda a força que tinha. Não suporto que me vejam a chorar, nem mesmo que essa pessoa seja o meu melhor amigo.

"Chorar nunca irá resolver os teus problemas, pois só aqueles que acham que não há solução é que o fazem."

Ainda com os meus dedos a fazerem força sobre a minha pele, eu levantei-me da cama e tateei pelo quarto escuro, à procura da mesinha de cabeceira.

Eu tinha que encontrá-la.

Assim que descobri a mesa de cabeceira, deslizei a minha mão até ao puxado da gaveta e abri-a. De seguida, enfiei a mão lá dentro e só me contentei com a minha busca quando encontrei uma pequena caixa, de cor roxa.

— Não vale a pena remar contra a maré...

Com as mãos trémulas, abri a caixa e tirei de lá de dentro um dos muitos comprimidos que eu usava para conseguir adormecer, sempre que tinha pesadelos. Levei um deles à boca e engoli-o, sem precisar do auxílio de água.

Se alguém soubesse que eu tomo comprimidos para algo tão simples como dormir, a minha reputação ficaria mais arruinada do que já está.

Numa noite comum, iria caminhar até à janela e deliciar-me com a paisagem maravilhosa que a noite trazia à World High Academy. Porém, a minha visão favorita estava ali, dentro daquele quarto: o sorriso de Cori Korean, que dormia tranquilamente em posição fetal.

Não sei bem o que deu em mim, mas envolver Cori no meu abraço, é a última memória que eu tenho daquela noite.

E acho que não foi por causa dos comprimidos.

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— Usa, acorda... — ouvi a voz doce e angelical de Cori a entrar nos meus ouvidos, seguida de um pequeno abanão.

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