Capítulo IV

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– REBECA, VOCÊ AINDA NÃO ME RESPONDEU

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– REBECA, VOCÊ AINDA NÃO ME RESPONDEU... QUEM É GUTO? – Insistiu Lucas, aflito.

Rebeca estava visivelmente assustada com aquela pergunta. Trêmula, ela encarava o irmão e, em seu íntimo, temia que ele estivesse lembrando de tudo. Permaneceu calada por uns instantes, pensando no que falaria.

– Guto? ... do que você está falando? - desconversou.

– Quando eu acordei... após a queda na cachoeira... ouvi você conversando com o ti... – Lucas respirou fundo nesse momento. – Com o homem que vem nos visitar... na conversa, vocês falavam sobre um garoto... tenho certeza de que o nome era esse... Guto.

– Você só pode estar enganado. – comentou Rebeca, disfarçando seu nervosismo. – Eu nunca ouvi falar nesse nome... não conheço ninguém que se chame assim. E, depois, eu já te contei tudo o que aconteceu... naquele dia, a terra se desfez... caímos na cachoeira... você bateu a cabeça, perdeu a memória... os seus pai e os meus eram amigos, Lucas, mas, por alguma razão, nos deixaram para trás... nos abandonaram... nunca voltaram para nos buscar... se não fosse o tio, nós nem estaríamos aqui hoje.

Lucas calou-se. Estava espantado com todas aquelas revelações. De fato, Rebeca já tinha contado essa história a ele, mas não de maneira tão detalhada. Parecia que ela estava com medo, pois atropelava as palavras enquanto as pronunciava. Lucas preferiu fingir acreditar no que Rebeca disse, não queria contrariá-la, pelo menos não agora. Mas, no fundo, ele sabia que em algum momento de sua vida alguém chamado Guto se fez presente, só precisava descobrir quem era.

Rebeca mantinha a feição de preocupada. Toda a conversa a deixou atônita, inquieta. Tinha receio das lembranças que o irmão tivera, tudo indicava que sua memória estava voltando. Lucas encerrou a conversa e, sem mais, dirigiu-se ao quarto do filho. Chegando no cômodo, sentou-se na cama. Ainda sentia, levemente, a dor de cabeça, mas já não o incomodava tanto. Afonso estava escovando os dentes e, ao sair do banheiro, fitou o pai, cabisbaixo.

– O que aconteceu, papá? – mesmo estando agora com dez anos de idade, Afonso refere-se ao pai desta maneira porque foi a primeira palavra que aprendeu a falar. – Papá, o senhor está bem? – a criança insistiu na pergunta. Por sempre ser carente de afeto materno, Afonso era muito apegado a Lucas, que sempre lhe cuidou.

– Sim, filho, eu estou bem. – Lucas, enfim, respondeu. – É apenas uma dor de cabeça que está me incomodando, mas não há nada com o que se preocupar.

Por uns minutos, Lucas ficou observando aquela criança em sua frente. Desde que se lembra, Afonso tem sido sua única felicidade. Queria poder ir embora da fazenda, levar o filho e recomeçar a vida em qualquer outro lugar. Ao mesmo tempo, tinha medo das consequências que isso poderia trazer para ele, mas, principalmente, para Afonso. Temia pela vida da criança, sabia bem do que Rebeca e o tio eram capazes. Ele jamais se perdoaria se algo de ruim acontecesse com o filho.

– Eu vou cuidar de você, papá. – comentou Afonso, abraçando o pai. – Nunca vou deixar que você fique só.

– Eu sei que não, Guto. – bradou Lucas, sem atentar-se ao que disse.

– Guto? Quem é Guto? – questionou Afonso, curioso.

Só então Lucas se deu conta de que havia trocado os nomes. O nome que outra vez lhe veio à mente foi o mesmo que outrora lhe deixou curioso. Nesse instante, a mesma lembrança que tivera mais cedo ressurgiu em sua mente, só que agora bem mais clara. Lucas agora tinha certeza de que Rebeca havia chamado Guto de irmão.

– Eu acho que Guto... é teu tio. - respondeu a Afonso.

Guto sequer conseguia se imaginar voltando à fazenda

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Guto sequer conseguia se imaginar voltando à fazenda. Considerava a ideia de Nathalia impensável, inegociável. Desde a tragédia naquele local, ele teve certeza de que nunca mais colocaria os pés ali. Se longe, os pesadelos já o assombravam, de perto ele sabia que tudo poderia – e iria – ser muito pior. A imagem dos pais mortos, as marcas no corpo de Rebeca, Lucas se jogando da cachoeira, tudo isso ainda perturbava sua mente e, por vezes, esses pensamentos fizeram com que ele agisse de uma maneira ruim. Dirigiu-se à cozinha, pegou um copo com água e açúcar e sentou-se à mesa. Agora, passeavam em sua mente memórias dos dias em que viveu na rua e das atrocidades que passou na época.

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– Senhor, me dê um trocado? Preciso comer alguma coisa, estou morrendo de fome.

Já tinham se passado dois dias desde que Guto saiu da casa de apoio. Nessas quarenta e oito horas ele ainda não tinha se alimentado. As pessoas passavam por ele na rua, mas não lhe davam atenção, fingiam que nem existia. Tudo o que carregava consigo era a sua mala, contendo apenas alguns pertences. Ele estava sujo, fedendo, ainda não tinha tomado banho, seu estado era deplorável. As horas iam se passando e cada vez mais a fome apertava. No fim da tarde, já não suportando, Guto dirigiu-se aos fundos de uma lanchonete. Lá, encontrou as latas de lixo. Sem pensar duas vezes, começou a revirar o lixo, procurando restos de comida. Após um tempo, encontrou sobras de macarrão e ali mesmo, com as mãos sujas, começou a comer. A fome deu lugar à ânsia de vômito quando Guto viu sair, da mesma lata de lixo em que encontrou o macarrão, um rato enorme. Todo o alimento ingerido foi colocado para fora no mesmo instante.

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Em meio a essas terríveis lembranças, Guto, mais uma vez, sentiu vontade de vomitar, porém não o fez. Continuou bebendo a sua água com açúcar, relembrando o ocorrido da manhã. Distraído, assustou-se ao sentir algo fofo tocar sua perna,esfregando-se. Era granola, a gatinha de estimação de Nathalia. A princípio,Guto gostou daquela sensação, mas, de repente, ele sentiu uma forte dor de cabeça, ao mesmo tempo em que passou a ouvir, mais uma vez, vozes que preenchiam sua mente. Parecia uma língua estranha, desconhecida. Geralmente,Guto adora os carinhos de Granola, mas, naquele momento, aquilo o incomodou. Com as pernas, ele empurrou o animal para longe, mas, minutos depois, a gatinha retornou. Já aborrecido, ele passou a pisar na cabeça do animal, apertando-afortemente. Granola, em sua defesa, desferiu um arranhão na perna de seu violentador que, com a dor, a soltou. O animal saiu correndo para o quintal. Furioso,Guto levantou-se, pegou uma corda em uma das gavetas do armário e, assim como Granola, saiu para o quintal. A gatinha agora estava deitada em uma cadeira na varanda. Sorrateiramente, Guto aproximou-se dela e, sentando-se ao lado, passou a fazer carinho na barriga do animal. Logo em seguida, num movimento certeiro,ele enrolou a corda no pescoço de Granola, apertando-a fortemente. Toda aquela sensação deixava Guto inquieto, ao mesmo tempo em que sentia prazer no agir. Pouco tempo depois, Granola, já sem fôlego, colocou a língua para fora e cessou os movimentos. Estava morta.

Descendência Malter (Em processo de revisão )Onde histórias criam vida. Descubra agora