Capítulo XXIII

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Na cachoeira, Padre Sílvio e Rebeca estavam envolvidos em um longo beijo. Passado um tempo, afastaram-se um pouco.

- Por que tanta demora? - Questionou Rebeca.

- Você não conhece o irmão que tem? Guto é tão...

- mosca-morta, essa é a palavra certa... - Completou Rebeca. Logo após, aproximou-se do penhasco e, olhando para o fundo da cachoeira, continuou. - Nosso amado filho desonrou a família.

- Pois estou vendo. - Disse o padre, aproximando-se. - Eu sempre te avisei para tomar cuidado com o moleque.

- Imaginou que ele seria capaz disso? Porque eu não.

- Os homens dessa família são todos uns idiotas, a única exceção sou eu. - Concluiu o padre.

- E por que acha que eu escolhi você? - Indagou Rebeca, beijando o padre em seguida. - Agora vá, vá interpretar o papel de padre bonzinho, eu cuido das coisas aqui. - Disse Rebeca, mas antes que padre Sílvio fosse, concluiu. - Não esquece que o Guto é meu... Não faça nada com ele, essa tarefa é minha!

Padre Sílvio apenas sorriu.

Na casa, Guto permanecia na sala, lembrando das revelações que tinha feito à Nathalia e ao Padre. Por mais que aquilo tivesse sido doloroso, ele sentiu que devia contar, não queria esconder nada. Em meio aos seus pensamentos, ele passou a estranhar o silêncio que fazia lá fora. Olhou ao seu redor e, só então, caiu a ficha de que ele estava sozinho naquele aposento. Seu corpo arrepiou por inteiro e, por um instante, sentiu vontade de sair correndo dali. Levantou-se e foi em direção à varanda. Por alguma razão, estava na defensiva, olhando cada canto daquele cômodo. Ao sair para a varanda, avistou um pouco de vômito no chão, mas estranhou a ausência do padre e de Nathalia. Descendo as escadas, Guto percebeu algumas pegadas o chão. Pegadas que iam em direção à cachoeira. Não podia acreditar que a namorada tinha ido até aquele local. Inevitavelmente, pensamentos de quinze anos atrás vieram à mente de Guto, trazendo à tona o exato momento em que o irmão, num ímpeto de coragem, jogou-se da cachoeira, junto de Rebeca. Das poucas certezas que Guto tinha naquele momento, uma delas era o medo que sentia de voltar à cachoeira. Ao chegar na parte de trás da casa, ele observou outro local que lhe causava arrepios. A velha garagem já não estava tão velha, alguém a tinha reformado. Guto não sabia quem, tampouco porquê. Contudo, mesmo com outro aspecto, aquele local ainda era assustador. Aproximando-se daquele lugar, o coração acelerou. A cautela aumentou e os nervos estavam à flor da pele. Ao adentrar a garagem, Guto fitou uma imagem que fez seu coração querer saltar pela boca.

- Lu... Lucas... É você, meu irmão?

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Na delegacia, o policial Alan estava aflito, aguardando a delegada Hanna. Ao longe, avistou a viatura da polícia vindo. Assim que chegou, a delegada desceu do carro, esbanjando, em sua face, a incredulidade.

- Como assim assassinada, Alan? Você tem certeza? - Foram as primeiras palavras proferidas pela delegada.

- Chefa, não há dúvidas... Assim que eu troquei de lugar com o outro policial, ele me disse que a bruxa continuava dormindo. Ele foi embora e quando eu fui até a cela, notei que a mulher permanecia na mesma posição. Não se mexeu um centímetro sequer. Bati fortemente na porta da cela, chamando por ela, mas ela nem se mexia... Eu entrei na cela... Chamei por ela uma vez mais... Só que ela não se mexeu... Eu fui tocar nela... Estava fria... Não estava respirando... Ao virar ela, eu vi o sangue escorrendo na cama... Foram três cortes... Profundos...

- Alan, há alguma chance do outro policial ter assassinado a bruxa?

- Impossível, você sabe que a chave das celas sempre fica com o outro policial que não está supervisionando elas... Não havia sinal de arrombamento... Antes de mim, a única pessoa que entrou lá foi...

- O padre...

- O quê? - Indagou Alan, assustado.

No mesmo instante, a delegada lembrou de uma das frases que escutou na conversa com o xerife.

"...Ele tinha muitos problemas...A única solução que encontrei foi colocá-lo no seminário de padres..."

- Filho da Edwirges... Tio de Guto... - Falou a delegada, colocando as mãos em sua cabeça.

- Está me dizendo que... o padre... O padre matou a bruxa?

- Alan, nós temos que ir até à fazenda, agora!

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Lucas levantou a cabeça, muito zonzo. Não podia acreditar que Guto estava ali, em sua frente. Ao fitar a imagem do irmão, ele se pôs a chorar. Não tinha como conter a emoção. Lucas estava vivo, ainda que em condições deploráveis, mas vivo. Guto correu até o irmão, o abraçando, queria certificar-se de que aquilo não era um sonho.

- Lucas... Eu nem acredito... Você está vivo... Está aqui... Comigo... Eu te amo tanto, meu irmão... Te amo tanto... - Dizia Guto, olhando o irmão e o abraçando. - Me perdoa, meu irmão... Me perdoa...

Lucas também estava em prantos, não conseguia falar nada, mas a sua face expressava a imensa felicidade que estava sentindo em ver o irmão ali. Guto, vendo que o irmão não falava nada, estranhou.

- Lucas, o que aconteceu? Por que você está preso? - Indagou, mas não obteve respostas. - O que tá acontecendo, irmão? Por que não me responde?

Lucas, que já estava em prantos, baixou a cabeça por um momento.

- Lucas? O que houve? - Questionou Guto, preocupado.

Lucas apenas levantou a cabeça, abriu a boca. Guto, ao visualizar a cena, não se conteve. Sua cara de susto era visível. Em meio aos prantos, ele abraçou Lucas novamente.

- Lucas... Eu sinto muito... Eu sinto muito... Me perdoa por não estar aqui... Me perdoa por não cuidar de você... - Guto estava soluçando.

Lucas, também em prantos, empurrou Guto com sua cabeça, a fim de chamar a atenção do irmão. Assim que Guto prestou atenção, Lucas direcionou seu olhar para a parede da garagem. Pendurada em um prego, estava a chave do cadeado que prendia a corrente e, consequentemente, Lucas. Guto correu até a chave e, um minuto depois, Lucas estava, finalmente, liberto. Agora sim, o abraço de irmãos pôde ser reciproco. Um abraço verdadeiro, cheio de afeto. Lucas ainda estava fraco, mal conseguia ficar de pé. Sentia uma sensação ruim, como previsse o que estava por acontecer. Ele já não temia a morte, sobretudo agora, após o reencontro com o irmão. A única coisa que poderia complementar sua felicidade seria Afonso, ansiava ver o filho. Guto, mais uma vez, abraçou o irmão, mas dessa vez o abraço não durou muito. Algumas páginas de jornais, grudadas na outra parede, chamaram a atenção de Guto que, ao aproximar-se, assustou-se com o que viu e leu.

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Delegada Hanna e Alan dirigiam em alta velocidade. Tiveram que cuidar das coisas na delegacia, antes de pegarem a estrada. A delegada estava aflita, se, de fato, o padre era assassino, Guto e Nathalia corriam muito perigo. Ao aproximar-se da casa do xerife, a delegada tirou os olhos da estrada por um instante, para atentar-se à residência que, mais uma vez, encontrava-se fechada. Assustou-se com o grito de Alan, alertando sobre um gambá na pista. Ao olhar para a frente, a delegada percebeu o animal. Virou o volante rapidamente, perdendo o controle do carro. O veículo saiu da estrada, capotando.

Descendência Malter (Em processo de revisão )Onde histórias criam vida. Descubra agora