Capítulo XV

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- Gostaria de rever teu amado irmão? - Questionou Rebeca, encarando Lucas. - Talvez você tenha a chance de, ao menos, vê-lo mais uma vez, é tudo questão do quanto consegue aguentar. - Rebeca sorria sarcasticamente a cada palavra pronunciada. Ela já sabia que Guto retornaria à fazenda e isso, de certa forma, lhe agradava.

Lucas encontrava-se em péssimas condições, tanto físicas, quanto psicológicas. Sentia tremores por todo o corpo e sua febre permanecia alta. Os delírios estavam cada vez mais frequentes, por vezes Lucas fitou Dona Edwirges ali, em sua frente, lhe encarando com um olhar triste, cansado. Também estava preocupado com o filho Afonso, queria, ao menos uma última vez, vê-lo, abracá-lo, mas sentia que isso já não seria possível.

Rebeca continuava ali, encarando o irmão. Vê-lo sofrer lhe inspirava um sentimento bom, gratificante. Ela usava de todos os artifícios que dispunha para fazê-lo ficar ainda pior.

- Gostaria de saber como está o nosso querido filho, meu irmão?

Lucas apenas arregalou os olhos, debatendo-se. Em sua tentativa falha de dizer algo, ele apenas emitiu sons estranhos, mais uma vez. Seus olhos estavam carregados de lágrimas e um aperto tomou conta do seu peito.

- Afonso é muito precioso para mim. - Continuou Rebeca. - Não se preocupa, irmão, eu não farei nada com nosso filho. Ele mesmo fará. Afonso completará onze anos amanhã. Logo a herança da família Malter há de se manifestar nele. Você Já imaginou, irmão? Você sendo morto pelo próprio filho? Não, não, não... Agora imagine a cena. Guto descobrindo que tem um sobrinho... fruto de uma relação dos dois irmãos... Melhor ainda é imaginar Afonso matando o tio, sem um pingo de piedade. Consegue imaginar, Lucas? Porque eu sim e estou adorando a cena, me arrepiei todinha só de pensar.

Rebeca encarava o irmão sorrindo. Lucas, mais uma vez, apenas se debatia, chorando. Não podia fazer nada estando naquela condição. Nem queria imaginar o filho submetido a tudo o que Rebeca acabou de falar. A caçula dos Malter, mediante o desespero do irmão, apenas virou-se, rindo e saiu em direção à casa. Ao entrar na cozinha, deparou -se com Afonso chorando. Os choros eram frequentes e isso incomodava cada vez mais Rebeca.

- O que aconteceu dessa vez, moleque? - Questionou, não dando muita atenção ao filho.

- Meu papá... Ele ainda não voltou? - Perguntou Afonso, limpando as lágrimas em seus olhos.

- De novo com isso de "papá"? - Gritou Rebeca. - Você não acha que já está grande demais para falar desse jeito? E, depois, eu já te disse que Lucas está viajando e talvez demore a voltar. Agora vá brincar, vá, engole esse choro e some da minha frente.

Afonso assustou-se com a maneira que Rebeca falava. Sentia, cada vez mais, pavor da mãe. Saiu correndo em direção ao quintal. Lucas fazia muita falta para o filho. Afonso carecia de uma companhia, alguém com quem pudesse conversar, brincar. Já na parte externa da casa, o garoto, distraído, se atentou a uma borboleta azul que voava por ali. Há muito tempo que uma daquelas não era vista. A beleza do inseto encantou o garoto que passou a segui-lo. Afonso seguiu a borboleta até onde pôde, mas o inseto adentrou a parte mais escura da pequena floresta que havia ali, nos fundos da fazenda. Antes que o garoto retornasse à casa, fitou, dessa vez, um corvo. Encantou-se com aquelas penas negras. Nunca tinha visto uma ave daquelas. O corvo voava baixo, e seguiu seu rumo por um caminho agora quase fechado. Era o caminho que levava até a cachoeira. Rebeca sempre falava que Afonso não podia ir até lá, era perigoso, mas, naquele momento, o garoto só tinha olhos para aquele belo pássaro, por isso o seguiu.

Chegando na cachoeira, Afonso já não avistou o corvo, mas arrepiou-se com o aspecto daquele lugar. Estava coberto pelo mato. O lixo estava tomando conta, mas o que mais incomodava, de fato, era o mau cheiro. Afonso ouviu barulhos vindos do fundo da cachoeira e, curioso, foi verificar do que tratava. Ao olhar, espantou-se com a cena. O corvo, que outrora havia lhe encantado, estava agora sobre dezenas de esqueletos, dando bicadas em um dos crânios que estavam ali.

O medo consumiu o garoto. Afonso tentou gritar, mas não conseguiu. Voltou correndo em direção à sua casa, atônito. Passando próximo à garagem, ouviu uns barulhos estranhos. Parou e, sorrateiramente, olhou por uma brecha da parede. Quase não acreditou no que viu.

- Papá?

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Guto e Nathalia, ao chegarem, estranharam aquele carro estacionado em frente à casa. Ao fitar um homem sentando na varanda, Guto abriu um largo sorriso, reconhecendo-o. Andou mais rapidamente.

- Sua bênção, padre. - Guto deu um abraço apertado em Padre Silvio, que há muito tempo não via. - Que surpresa boa o senhor por aqui.

- Se eu não vier lhe visitar, não o vejo, então tive que esperar ter minhas férias anual. Sabia que a igreja ainda se encontra no mesmo local? - Brincou o padre Silvio e olhando para Nathalia, continuou. - Olá, minha filha, tudo bem?

- Tudo sim, padre. O senhor está esperando há muito tempo? Perdoe nossa demora, não sabíamos que viria.

- Está tudo bem, filha, não faz muito tempo que cheguei e não avisei que vinha, pois queria fazer surpresa, acho que deu certo. - Disse, dando um leve sorriso.

- Vamos entrar, padre? - Convidou Guto, abrindo a porta da casa em seguida. Os três entraram e dirigiram-se até a sala.

- O senhor aceita um café, suco... água? - Perguntou Nathalia.

- Muito obrigado, mas eu estou bem. Não há necessidade. - Respondeu o padre que, ao notar o ferimento de Nathalia, preocupou-se.

- O que foi isso em sua testa?

- Guto poderá lhe explicar, padre, creio que vocês têm muito o que conversar. Agora eu preciso tomar um banho e tratar esse pequeno ferimento para não infeccionar mais.

Nathalia saiu em direção ao seu quarto. Os dois que permaneceram na sala iniciaram a conversa. Passaram longos minutos assim. Guto, após contar tudo para o padre, calou-se.

- Um tio... Então você tem... teve um tio. - Padre Silvio, enfim, falou.

- Sim, padre, eu tive. Mas ele já deve ter morrido há anos. Nunca tive notícias dele, mesmo quando meus pais estavam vivos. - Guto baixou a cabeça.

- Você tem certeza que quer voltar até aquele local? - Questionou o padre.

- Eu preciso, padre. Eu só vou conseguir sossegar...ter paz... quando tiver certeza que já não há nada na fazenda... Que tudo acabou há quinze anos.

- Tudo bem, filho, então eu irei com você.

Guto espantou-se com o que ouviu.

- Vai comigo?

- Sim. - O padre foi firme em sua resposta. - Lembro no estado que você estava quando te encontrei na rua há uns anos. Sei que o ocorrido na fazenda influenciou para que você chegasse aquele estado. Então, sim, irei à fazenda Malter.

Guto emocionou-se com as palavras do Padre. Porém, em sua memória, vieram cenas de tudo o que fez. Lembrou-se de granola. Do mecânico. Sentiu-se desmerecedor daquele afeto. Tentou desconversar. 

- Não há necessidade, padre, está tudo bem, Nathalia irá comigo e... - Antes que Guto concluísse a frase, foi interrompido.

- E não tem conversa. Eu irei com vocês e ponto. Vamos quando?

Descendência Malter (Em processo de revisão )Onde histórias criam vida. Descubra agora