Quinze anos se passaram desde o ocorrido na fazenda Malter. Guto, ainda que com cicatrizes, tentou seguir sua vida. Estudou, trabalhou, formou-se em administração e hoje, ao lado da namorada Nathalia, viveria uma vida razoavelmente boa em Porto Aleg...
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NA FAZENDA...
– Tá tudo bem, Lucas? Você tem andado muito calado, parece até que um gato comeu tua língua. – comentou Rebeca, dando um sorriso sarcástico em seguida.
Lucas, com o passar dos anos, adquiriu aversão por Rebeca. Quando caiu na cachoeira, há quinze anos, bateu a cabeça e teve um sério machucado. Perdeu a memória e não conseguia lembrar-se de nada em sua vida antes do seu acidente. Não fazia ideia de que a moça, com quem vivia por tanto tempo, era sua irmã. No início, ele tentou gostar dela, mas depois, mediante suas atitudes, viu que não era boa pessoa. Tinha razões suficientes para acreditar que Rebeca era a responsável pelas cicatrizes que ele tinha pelo corpo.
Os dois estavam na sala, bem afastados um do outro. Lucas estava distraído, os pensamentos estavam longe. Ao direcionar os olhos para o lado da lareira, avistou, bem surradas, uma camisa rosa e uma calça jeans. Lembrou-se a quem pertenciam e aquela cena de dez anos atrás formou-se, outra vez, em sua mente.
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– O que você está tentando nos dizer? Não estamos entendendo... você quer que a gente vá embora, é isso?
Guilherme estava intrigado, não conseguia compreender o que aquele jovem, em sua frente, estava querendo. Lucas não queria falar alto, temia que Rebeca escutasse alguma coisa. Contudo, suas expressões indicavam, nitidamente, que a presença de Guilherme e Kamila o incomodava. Ele, de fato, estava tentando expulsar os forasteiros, mas para salvá-los. Sabia que a presença deles ali não resultaria em algo bom. Não confiava em Rebeca, ela era uma pessoa ruim. Tanto ela, quanto o homem que os visitava, causavam arrepio em Lucas. A tentativa de expulsar os forasteiros falhou, agora já era tarde. Rebeca estava de volta à sala e, em suas mãos, trazia uma bandeja com café e biscoitos.
– Aqui está o café, meus queridos. Perdoem a demora, tive problemas com a louça e meu amado marido tinha que lhes fazer companhia. – comentou Rebeca, colocando a bandeja sobre uma pequena mesa de centro. – Sabe, somos só nós dois aqui, aliás, nós três. – e colocando uma das mãos sobre a barriga, acrescentou. – Então, um cuida do outro, não é meu amor? – indagou, voltando os olhos para Lucas.
Ele, por sua vez, estava assustado, prevendo o que estava para acontecer. Seus olhos agora estavam se enchendo de lágrimas, mas não deixou que elas caíssem ali. Apenas virou-se e foi em direção à cozinha. Ao chegar no outro cômodo, sentou-se à mesa, colocou o rosto sobre os braços e, só então, se permitiu derramar as lágrimas. Sentia-se um covarde por compactuar com tudo que Rebeca fazia. Também se sentia um fraco por não ter coragem de tentar impedir aquele homem que dizia ser seu tio. A única felicidade de Lucas era o filho que Rebeca estava esperando.
Na sala, a anfitriã fitava seriamente os dois visitantes. Guilherme e Kamila já estavam na segunda xícara de café e ambos começaram a sentir uma tontura, o enjoo tomou conta do estômago de ambos que, ao tentarem se levantar, sentiram as pernas cambalearem. Levaram um tempo até entenderem que nunca mais sairiam dali. Em seus últimos instantes de vida, Guilherme e Kamila viram Rebeca levantando-se e indo na direção deles, dizendo-lhes.
– Sejam bem-vindos ao inferno, meus queridos.
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Lucas agora encarava Rebeca com uma expressão de nojo no olhar. Ficava se perguntando como uma pessoa tão nova seria capaz de tantas atrocidades. Tudo o que ele mais desejava era lembrar-se do seu passado, de outros familiares, contudo, por mais que se esforçasse, nada vinha em mente, a não ser os acontecimentos recentes. Não conseguia lembrar de sua infância, dos pais, quem sabe irmãos. Nada, absolutamente nada. Tudo o que sabia estava relacionado ao que Rebeca e o tio o contaram, coisas incertas, duvidosas. Não confiava no tal tio e, no fundo, nem acreditava ter algum vínculo familiar com aquele homem. Acreditava ainda menos em Rebeca e tinha quase certeza de que ela tinha algum problema muito sério. Em muitas ocasiões, a flagrou na garagem, executando coisas que pareciam rituais satânicos, era assustador. Aquilo passou a ser mais frequente quando Rebeca descobriu que estava grávida e Lucas temia que isso, de certa forma, afetasse o filho. No entanto, as preocupações acabaram quando Afonso nasceu, a criança veio com uma saúde de ferro.
Afonso, de fato, trouxe vida para Lucas. Ele era apaixonado pelo filho e, como era de se esperar, a criança se sentia muito mais tranquilo e feliz na presença do pai. Por um bom tempo, até as brigas dentro de casa cessaram. Rebeca, no entanto, não ligava muito para o filho e sempre deixava claro que ele só seria útil quando crescesse. Isso irritava tanto a criança, que carecia de carinho materno, quanto Lucas, que sempre desprezou o lado rude de Rebeca. Afonso, mesmo em meio ao ambiente em que vive, sempre foi uma criança alegre, amorosa, que nunca deu trabalho. Assim como o pai, tem medo do tio que, de vez em quando, aparece na fazenda. Lucas, por sua vez, acreditava que o tio era quem influenciava Rebeca às maldades e ela não fazia esforço nenhum para agir de maneira contrária. Os dois se mereciam. Ali, envolto em pensamentos distantes e complexos, Lucas começou a sentir uma tontura, bem como uma dor de cabeça extremamente forte. A dor era tanta, que ele mal conseguia ficar de pé.
– O que aconteceu? Que palhaçada é essa? – questionou Rebeca, assistindo a tudo.
Lucas, que a essa altura já estava de joelhos, não conseguiu pronunciar uma só palavra. De repente, tivera um curto lapso de memória e, naquele instante, visualizou em sua mente o momento exato em que, num ímpeto de coragem, correu na direção de Rebeca, jogando-se com ela de cima da cachoeira. Após o feito, acordou-se, ainda muito tonto, em uma cabana, no meio da mata. Sentia uma enorme dor no braço esquerdo, provavelmente o tinha quebrado. Com a visão embaçada, não conseguia identificar o local, mas conseguiu ouvir uma voz que, até aquele momento, era desconhecida por ele. Na conversa, o nome de um garoto foi citado e isso deixou Lucas intrigado.
– O que é que está acontecendo? Está passando mal? Já não basta Afonso, agora serei obrigada a me preocupar contigo também? – indagou Rebeca, aproximando-se.
Lucas, agora com a dor de cabeça passando, fitou os olhos na mulher que se aproximava, indagando-lhe.