Guto, incrédulo, lia os jornais. As notícias eram muitas e todas relacionadas ao padre Sílvio. As manchetes eram bem específicas: o padre vinha sendo acusado de assédio e abuso por algumas mães da comunidade em que o padre exercia suas funções. Os jornais eram do jornal local de Porto Alegre, mas Guto, até o momento, não tinha ouvido falar daquilo. A razão mais aceitável era apenas uma.
– Sim, é exatamente o que você está pensando, Guto. – Disse o padre Sílvio, que tinha acabado de aparecer na porta da garagem, assustando Guto, mas principalmente a Lucas. – A igreja fez com que os casos não tomassem proporções maiores, afinal de contas, seria um escândalo, não é? Imagine só, um padre envolvido em uma denúncia de abuso sexual, que Deus perdoe as acusadoras. – Concluiu o padre, sorrindo.
Lucas estava apavorado. Reconheceu de imediato o tio que tanto temia. Guto, no entanto, permanecia assustado, sem saber como agir.
– Padre... Mas... Aqui... Fala que o senhor... Foi afastado de suas ocupações... E isso já têm dois anos... – Olhando para Lucas, Guto percebeu a aflição do irmão. – Lucas, o que aconteceu, meu irmão? Por que você está assim? – Indagou Guto, indo até o irmão e o abraçando.
– Que cena mais linda, essa. – Disse o padre, em tom de deboche. – O reencontro dos irmãos, pena que eu tenha perdido o momento exato em que vocês dois se viram, deve ter sido um momento único, creio que Afonso adoraria.
– Afonso? – Indagou Guto, curioso e já um pouco assustado com o modo como o padre estava agindo.
Lucas, ao ouvir aquele nome, exaltou-se, ainda que limitado. Se pôs a chorar mais uma vez, queria notícias do filho.
– O sobrinho de vocês, meninos..._______________
– Alan, Alan, fala comigo, me responde, por favor. – Pedia a delegada Hanna, que estava com um pequeno corte na cabeça. – Alan, você está me ouvindo?
A delegada não obteve respostas e isso a assustou. Com custo, ela conseguiu desprender-se do cinto de segurança e, com esforço, saiu do carro, retirando o companheiro de farda em seguida. Alan estava se mexendo, para a felicidade da delegada. Por sorte, a casa do velho xerife era bem próximo dali. Hanna, apoiando o policial em si, dirigiu-se até o local. Ao chegar lá, mais uma vez estranhou o silêncio e o pouco movimento. A porta encontrava-se aberta, mas, aparentemente, não havia ninguém ali. A delegada gritou pelo velho xerife, mas não obteve respostas. Deitando Alan no sofá, Hanna vasculhou todos os cômodos da casa, mas não encontrou ninguém. Assustou-se, no entanto, ao ver marca de tiro na parede da casa.
– Onde foi que esse velho se meteu? – Indagou._______________
– Do que o senhor está falando, Padre? – Guto inquietou-se e Lucas, ao ouvir aquilo do padre, sentiu uma pontada no coração.
– Ah, esqueci de te contar, Lucas, ele não era teu filho, mas creio que no fundo você sabia, não sabia?
Lucas estava em prantos. No fundo, ele, de fato, não lembrava de ter mantido relação sexual com Rebeca, mesmo que ela tenha confirmado isso. Contudo, sentia-se pai de Afonso e estava disposto a cuidar da criança.
– Quem é Afonso? O que está acontecendo, padre? – Questionou Guto, impaciente.
– Antes de qualquer coisa, Guto, vamos atualizar nomenclaturas, está bem? Não sou padre há muito tempo, ou seja, de hoje em diante pode me chamar de Sílvio ou, se preferir, pode me chamar de titio.
– Titio? – Indagou Guto, olhando para Lucas, que o encarava chorando.
– Lucas, não contou ao seu irmão? – Questionou o padre Sílvio, mais uma vez em tom de deboche. – Ah, claro, me perdoe, Lucas, eu havia me esquecido de que você não fala. – Completou, rindo. – Pois, bem, Guto, como você pode ver, Lucas sobreviveu e, antes que pergunte, Rebeca também está viva e morrendo de saudades de você.
– Rebeca... – Disse Guto, espantado. Agora sim reviveu em sua mente tudo o que aconteceu há quinze anos. Não queria acreditar no que estava acontecendo, que se encontrava outra vez na mesma situação.
– É uma pena que não tenha tido a oportunidade de conhecer Afonso. – Comentou o padre e, olhando para Lucas, continuou. – O pestinha morreu... Ou, melhor, se matou, ao menos dessa morte eu estou isento.
Lucas ajoelhou-se, ainda em prantos. Sua visão começou a ficar embaçada, ao mesmo tempo em que sentiu seu estomago embrulhar. Não podia acreditar que Afonso estava morto, como? Ele não merecia, era apenas uma criança. Guto, por sua vez, estava paralisado com todas aquelas revelações. Conviveu com o padre por tanto tempo e nem em seus piores pesadelos poderia imaginar ouvir o que estava ouvindo. O medo maior estava em saber que Rebeca também estava viva, desde os últimos acontecimentos, Guto estava ciente de que a irmã é capaz de tudo.
– Me diga que o senhor está brincando... - Suplicou Guto ao padre. – Por favor, me diga que tudo isso é uma brincadeira de mau gosto sua e da Nath... – Guto sentiu um arrepio e um grande aperto no peito ao pronunciar esse nome. – A Nath... Onde é que ela está?
– Morta, Guto... – Respondeu o padre, friamente. – Ninguém escapa dessa fazenda, acho que você já devia estar ciente disso e, ainda assim, aceitou voltar aqui...
– Não, padre... Não... O padre que eu conheço não pode ser um..
– Assassino? – Concluiu o padre, questionando. - Ora, Guto, as circunstancias me trouxeram até aqui, sabia que sua amada avó Edwirges me abandonou quando eu era apenas um bebê? Sabia que ela preferiu aquele merda do seu pai a mim? Sabia que ela mentiu para o meu pai, dizendo que eu tinha morrido? E, só mais uma pergunta, de assassino para assassino... Já esqueceu do mecânico? ... da Granola? ... Do Felipe? ... Acha mesmo que você é tão diferente de mim, Luis Gustavo Malter? O mal corre pelas veias dessa família Guto e com você não foi diferente...
– Não, eu não queria... – Explicou Guto, trêmulo.
– Não queria? – Indagou o padre, dando uma longa gargalhada. – Ah, qual é, Guto? Todos nós sabemos da verdade... No fundo, você, Rebeca e eu somos farinha do mesmo saco.
– Eu não sou igual vocês. – Disse Guto, correndo furioso em direção ao padre e acertando-lhe um soco.
– Viu, eu não disse? – Comentou o padre, no chão, com a boca suja de sangue. Virando-se para Guto, o padre apenas riu, dizendo. – Isso é o melhor que você consegue fazer? – Em um movimento rápido, o padre acertou um chute no estomago de Guto, que, com o impacto, também caiu.
O padre levantou-se, sorrindo e tirando uma faca do bolso.
– Sabe, Guto, quando Rebeca me contou a história, confesso que quase não acreditei, mas agora vejo a veracidade dos fatos. Você é corajoso, assumo, mas é burro. Mesmo depois de tudo o que passou, ainda não aprendeu a controlar essa raiva. – O padre deu um chute no rosto de Guto, que ficou zonzo no mesmo instante. – Achei que seria mais difícil, sabe? Mas é isso mesmo, o que eu poderia esperar de um garoto que apanhou da irmã caçula?
Guto, ao fitar a imagem do padre, em pé, à sua frente, viu se repetir a mesma cena de anos atrás. Lucas, com a pouca força que lhe restava, correu na direção do padre, o empurrando para longe. Ambos caíram. Lucas, com muito custo, tentava levantar, mas, devido à fraqueza e o esforço que tinha feito, não conseguia. Padre Sílvio, no entanto, mais uma vez sorria, enquanto limpava-se.
– Me arrependo amargamente por não ter te matado antes. – Disse o padre a Lucas, enquanto se levantava. – Nada que eu não possa fazer agora, não é?
– Por favor, não, por favor. – Suplicava Guto, ao padre, enquanto tentava se levantar. Sua cabeça estava girando e sua respiração falhando, com esforço conseguia falar. – Deixe meu irmão em paz, por favor.
Padre Sílvio apenas riu, levantando a mão com a faca.
– Acabou, Lucas.
Antes que o padre concluísse o que planejava, foi atingido por um tiro. Guto assustou-se com o barulho e, ao olhar para o local de onde o tiro veio, assustou-se.
– Xerife?
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Descendência Malter (Em processo de revisão )
TerrorQuinze anos se passaram desde o ocorrido na fazenda Malter. Guto, ainda que com cicatrizes, tentou seguir sua vida. Estudou, trabalhou, formou-se em administração e hoje, ao lado da namorada Nathalia, viveria uma vida razoavelmente boa em Porto Aleg...