Capítulo XII

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Guto e Nathalia haviam acabado de chegar no orfanato Bom Jardim. O caminhoneiro lhes deixou no portão da frente, enquanto dirigiu-se aos fundos daquele local. O ambiente dali não era nada agradável, continha um clima pesado, mais parecia uma penitenciária do que um local que abrigava crianças. O casal adentrou e ao chegar na recepção, avistaram uma senhora no balcão, aparentava ter uns oitenta anos.

- Bom dia! - Guto foi o primeiro a se pronunciar. - Eu gostaria de falar com a diretora desse local. É que eu recebi um telefonema e... - Antes que Guto pudesse concluir sua fala, foi interrompido por aquela mulher em sua frente.

- Fui eu quem te ligou, você é Luis Gustavo...

- Malter! - Concluiu Guto, mas não compreendeu o porquê de sentir-se receoso em revelar o seu sobrenome. Ao ouvir aquele sobrenome, a senhora, que se encontrava no balcão, fez uma cara de assustada. A expressão em seu rosto era nítida: medo puro.

- Aconteceu alguma coisa, senhora? - Questionou Nathalia, percebendo a reação da mulher. - Você ligou para ele, pedindo que ele viesse aqui para...

- Vir buscar uns pertences do tio... Aquele demônio em forma de gente...

- Então é verdade? Eu tenho... tive... um tio? - Guto estava curioso, ao mesmo tempo em que sentia um aperto no coração.

- Demônio? - Questionou Nathalia, preocupada.

- Sim, um demônio. - Respondeu a senhora, saindo da parte de trás do balcão. - Venham, eu vou lhes entregar os pertences.

Guto e Nathalia seguiram aquela senhora até um quarto. O lugar era desconfortável, pequeno, pouco iluminado, tinha um aspecto sombrio. No quarto, tinham oito camas de solteiro, distribuídas naquele pequeno cômodo. A senhora, que ia na frente, pegou uma pequena caixa de sapatos debaixo de uma das camas e entregou a Guto.

- Toma... Pega... São esses os pertences de Nuno.

- Então o nome dele era esse? - Perguntou Guto.

- Foi esse o nome que deram ao teu tio, quando ele chegou aqui.

Desde o primeiro contato com aquela senhora, Nathalia sentiu curiosidade com a forma como ela se referia ao tio de Guto. Após muito relutar, Nathalia, enfim, teve coragem de perguntar.

- Me perdoa a intromissão, mas... Por que você chamou Nuno de... demônio?

O silêncio tomou conta daquele local. A velha secretária do orfanato permaneceu imóvel, assustada. No mesmo instante, recordações de seu passado vieram à tona e a cena que lhe veio em mente lhe provocou arrepios por todo o corpo. Passou a contar a Guto e Nathalia o que tinha acontecido naquele local.

***************

- Nando? Meu Deus, Nando, o que foi que aconteceu? - Questionou Dona Faustina, secretária do orfanato, assustada ao fitar aquele garotinho com o braço ensanguentado. - O que houve? Quem fez isso com você?

Era nítido que aquele garotinho estava sentindo muita dor, já havia perdido muito sangue. Aos prantos, com muito custo, ele respondeu.

- Foi o Nuno, tia... Ele tá... louco... é tudo culpa dele, eu juro.

Faustina gritou por ajuda, Nando precisava de socorro o quanto antes, mas seu braço estava quebrado e ela não conseguiria carrega-lo. A ajuda veio por meio do zelador, Seu Chico, que, ao presenciar a cena, assustou-se com a quantidade de sangue.

- Meu Deus, o que tá acontecendo? O que houve? - Questionou seu Chico, visivelmente amedrontado.

- Leve ale até a enfermaria, Seu Chico, peça que dona Elizete cuide desse ferimento, por favor.

- Seu Chico saiu carregando Nando que já estava muito pálido. Dona Faustina seguiu em direção aos fundos do orfanato, acompanhando a trilha de sangue que tinha ali, provavelmente era o sangue de Nando e aquilo só preocupou ainda mais Faustina. Ao chegar aos fundos do orfanato, logo que saiu pela porta, para o quintal, presenciou aquela cena que nunca foi capaz de esquecer. Duas cuidadoras do orfanato, que tinham chegado ali há pouco tempo, estavam estendidas no chão, com poças enormes de sangue debaixo e ao redor delas. Ambas tiveram os pescoços cortados e, próximo delas, estava Nuno, com um pedaço de vidro em suas mãos. O garoto, de apenas onze anos de idade, estava de costas, imóvel. O pedaço de vidro em suas mãos escorria sangue, tanto o dele, que estava com as mãos cortadas, quanto o sangue das cuidadoras mortas.

Dona Faustina estava paralisada. Seu corpo inteiro tremia. Ficou observando tudo, imóvel e permaneceu assim por uns minutos. Suas pernas não respondiam, seu corpo inteiro travou. Após um tempo, com muito custo, foi ao encontro de Nuno. O garoto estava chorando e dona Faustina só queria ajuda-lo, abraça-lo. Ao chegar perto, a senhora tocou seu ombro e, no mesmo instante, Nuno assustou-se e com o vidro que tinha em mãos e desferiu um golpe certeiro, na barriga daquela mulher que o tocou. Dona Faustina, no mesmo instante, ajoelhou-se, a dor foi instantânea. Nuno ainda a encarou por um tempo. Aquele olhar não parecia o do garoto. Após um tempo, ele correu em direção ao portão dos fundos. Saiu e nunca mais voltou.

Anos depois, Chico, o zelador, cuidava do quintal, após um longo inverno. Enquanto cavava a terra, para, em seguida, plantar umas rosas, encontrou, soterrada, uma pequena lata e, dentro dela, estavam os pertences de Nuno.

***************

- Então ele também é um monstro? - Foi a única coisa que Guto conseguiu perguntar.

- Também? Como assim? - Questionou Dona Faustina, assustada.

Guto não respondeu mais nada, apenas pegou Nathalia pelo braço e dirigiu-se à saída do orfanato. Dona Faustina ficou sem entender as razões, porém preferiu deixar as coisas como estavam. Já não queria nenhum tipo de envolvimento com a família Malter.

- O que faremos agora, Guto? - Perguntou Nathalia, assim que o casal sumiu da vista da secretária.

- Nós iremos para casa e depois eu vou procurar o Padre Silvio, sinto que preciso conversar com ele. - Respondeu Guto, sem olhar para a namorada.

Ambos saíram daquele local e foram para a estrada, ver se conseguiam uma carona até a oficina mecânica que tinham deixado o carro. Dona Faustina, agora de volta à recepção, pegou o velho telefone, digitou uns números e aguardou atenderem. Após um tempo, disse:

- Ele acabou de sair daqui, agora o resto é com você!

Descendência Malter (Em processo de revisão )Onde histórias criam vida. Descubra agora