Capítulo XIV

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Nathalia e Guto iam calados no carro. A caixa, guardando os pertences de Nuno, estava no banco de trás, ainda não tinha sido aberta. Nathalia se distraia com um mapa. Estava tentando observá-lo, mas era grande demais para ser aberto dentro do carro. Por fim, desistiu do mapa e, após dobrá-lo e guardá-lo, virou -se para Guto, o questionando.

- Não vamos mesmo falar sobre a caixa com os pertences do teu tio? - A moça respirou fundo, pois sabia que Guto estava evitando o assunto. - Você não disse uma só palavra sobre isso, desde que saímos do orfanato.

Guto permaneceu calado, porém sua inquietação era visível. Mexer em feridas do passado ainda o incomodava. Guto tinha ciência que Nuno passou pelos mesmos problemas que Rebeca. Temia o que encontraria naquela caixa, por isso, até então, estava evitando-a.

- Amor... - Nathalia, colocando uma das mãos na coxa de Guto, insistiu. - Eu sei que esse assunto te incomoda e com razão, só que... Não dá mais para fugir disso e você sabe disso. Se fomos até o orfanato, é porque você queria saber o que houve com teu tio e quem sabe na caixa tenha as respostas que você precisa.

- Olha, uma lanchonete! - Guto desconversou. - Estou morrendo de fome... Você não?

Tudo bem, tudo bem. - Nathalia decidiu encerrar o assunto por hora, sabia que, ao menos naquele momento, não convenceria o namorado. - Eu tô morrendo de fome também, já faz horas que não comemos nada.

Guto estacionou o carro, pegou a caixa e, junto de Nathalia, desceu do veículo. Entraram no estabelecimento e, como podiam imaginar, o ambiente não era nada agradável. Era sujo, com pessoas mal encaradas, o chão era manchado e o local não tinha um cheiro bom. Contudo, Guto e Nathalia precisavam se alimentar, ficaram no local e foram até o balcão.

- Qual o cardápio de hoje? - Perguntou Guto ao atendente que se encontrava atrás de um balcão também sujo. O homem era um senhor de idade, com uma barba longa. O atendente apenas apontou o dedo para um cartaz grande, pregado na parede e não falou mais nada. No cartaz, continham as refeições e os preços. Nathalia foi a primeira a escolher e não teve muita dificuldade, até porque não tinha muitas opções. Guto, assim como Nathalia, pediu um hambúrguer, uma porção de fritas e um refrigerante. O casal foi sentar-se, enquanto o lanche era feito.

Após uns minutos, o atendente trouxe o lanche que os dois haviam pedido. Nathalia e Guto começaram a comer, mas Guto não parava de olhar para a caixa. Estava na hora de abri-la, não tinha mais como adiar. Guto pegou a caixa, colocando-a sobre a mesa.

- Então... Acho que já está na hora...

Nathalia assustou-se. Parou de comer o lanche e concentrou-se em Guto.

- Você tem certeza? Questionou a moça.

- Nós temos que descobrir o que meu tio... - Guto respirou fundo. - O que ele deixou nessa caixa... O porquê dele direcionar ela ao meu pai.

Guto estava nervoso e Nathalia ansiosa. Ela queria que o namorado se livrasse logo disso, para, quem sabe, ter um pouco de paz. Guto abriu a tampa da caixa e, após, a lata, com dificuldades, pois estava enferrujada. Dentro da lata, tinham umas bolas de gude, alguns outros pertences quebrados e uma carta, velha, desgastada pelo tempo. A ferrugem da lata também tocou o papel, mas a escrita, aparentemente, ainda estava preservada. Guto abriu a carta, um tanto receoso, suas mãos tremiam, estava suando. Como era de se esperar, o papel estava desgastado, mas a escrita era legível. Guto e Nathalia começaram a ler.

"Para meu irmão.
Talvez tu nunca leia essa carta. Porque as irmãs dizem que eu nunca tive família. Que nunca vou ter. Eu sou um demônio. É o que todo mundo diz. Mas a bruxa sempre me fala que eu tenho família. Que tu é minha família. Eu só não sei porque minha mãe me abandonou. Porque ela preferiu tu. Vai ver eu sou um demônio mesmo. Eu nunca vi nossa mãe. Mas a bruxa disse que ela tá viva. Na fazenda. Maldita fazenda. A bruxa sabe. Ela sempre soube. Ela cuida de mim. Me traz ervas, pra eu cuidar dos ferimentos. Ela é boa. Mesmo sabendo que eu sou ruim. Ela me cuida. Disse que eu não tenho culpa. Disse que eu faço coisas ruins porque o  bisavô de nossa mãe fez algo ruim no passado. Eu não entendo porque eu tenho que pagar por isso. Eu não merecia ser abandonado. Eu tenho onze anos. Não aguento mais ficar aqui. As coisas estão ficando cada vez pior. Não consigo controlar. Eu vou embora. Vou morar com a bruxa. Um dia eu posso ver tu e minha mãe. A bruxa me disse que posso. Mas eu não sei se quero. Nossa mãe não é uma pessoa boa. Eu era uma criança. Ela não me quis. Me jogou aqui. Nesse lugar horrível. Por isso eu vou fugir. Eu sei que as cuidadoras vão tentar me machucar se descobrirem. Eu não quero machucar elas. Mas é mais forte que eu. Eu tenho um demônio dentro de mim. Eu sinto muito. Meu irmão, se algum dia tu encontrar isso. Quero que saiba que eu não tenho raiva de ti. Mas nossa mãe vai pagar. Por ter me feito sofrer tanto."

Nathalia terminou de ler a carta apavorada, mas Guto, com certeza, era o mais abalado. Estava em prantos, nervoso, suando frio. Seu corpo inteiro tremia e uma ânsia de vômito o consumiu. Largou a carta ali na mesa e saiu correndo para o banheiro. Nathalia, preocupada, guardou a carta na lata e saiu atrás do namorado. Ao chegar no banheiro, a moça deparou -se com Guto vomitando em um dos vasos. Permaneceu assim, por um tempo. Após levantar-se, Guto dirigiu-se até uma pia, para lavar sua boca.

- Você está melhor? - Questionou Nathalia.

- Nath... você tinha razão. Desde o início você tinha razão. - Comentou Guto, sem olhar para a namorada.

- Razão em quê? - Indagou Nathalia.

- Eu preciso... voltar à fazenda.

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Longe dali, em uma pequena cabana, no meio da floresta, estava uma bruxa, em meio a um ritual. Sobre a mesa, encontrava-se um boneco, parecido com Guto. A bruxa, com os olhos revirados, pronunciava as seguintes palavras.

Venit tempus. Quod impleta est prophetia. Veni, mi Eusebii venit. Omnia enim sunt connexae. Semper. Veni, Eusebius, veniet.

Descendência Malter (Em processo de revisão )Onde histórias criam vida. Descubra agora