Encalhados

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Sete meses. Sete longos meses a deriva no mar, em um navio pirata construído por mim mesma, com bandeiras pretas e desenhos de caveiras brancas nelas. Muitas pessoas poderiam me chamar de louca por nunca sair do meio do oceano, mas não sabiam elas que aquele talvez fosse o único lugar seguro para mim. Afinal, os malditos monstros me achavam sempre que eu pisava em terra firme. E aqueles que eram aquáticos, tentavam me matar todos os dias.

Mas, em comparação com minha antiga casa, aquilo era o paraíso. Eu tinha alguns amigos, comida, algumas coisas que furtei por aí, e não corria riscos de morrer. Minha mãe conseguia me fazer voltar a viver com um estalo de dedos. Ou eu mesma fugia da morte.

Minha mãe é Nyx, deusa da noite, dos mortos, dos segredos... Enfim, você pode saber mais sobre ela pesquisando na internet ou lendo livros sobre mitologia. Eu tenho uma penca de irmãos e irmãs imortais. Eu havia me tornado imortal depois de comer uma droga de fruta que me deixou assim.

Eu não fazia idéia de quantos anos tinha. Nem mortais, nem imortais. Nasci e cresci no buraco mais escuro da Terra, o Tártaro, onde nem os mortos tem coragem de pôr os pés. Minha mãe achou brilhante criar uma semideusa naquela lugar, onde os deuses nunca saberiam da minha existência, e ela poderia me vigiar bem de perto, até que eu tivesse poderes suficientes para destruir o Olimpo.

Cresci comendo carne de monstro, bebendo lava e no calor literalmente dos infernos. Com uma mãe louca que me deu de presente uma maçã, dizendo que era uma fruta dos mortais. Comi e nunca mais envelheci. E eu queria. Queria morrer, sair daquele lugar. Fiquei tão furiosa com Nyx que dei um soco no chão e o próprio Hades desceu até lá embaixo ver o que havia acontecido, pois o Mundo Inferior inteiro sentiu o impacto do meu soco. Claro, minha mãe me escondeu e ele não foi se meter com ela. Ninguém é louco a esse ponto.

Enfim, anos se passaram naquela escuridão infinita, até que algo estranho aconteceu. O anjo bonitão que cuidava das Portas sumiu, e elas estão enfim abertas! Qualquer um podia entrar e sair dali, inclusive a garota aqui.

Peguei tudo o que tinha e fui. Levei Skayler (meu dragão de estimação) comigo, e meu fiel fantasma amigo, Epaminondas, um velho que minha mãe contratou para me ensinar sobre a vida, ou como eu dizia, fazer o papel de mãe que ela se recusava a fazer.
Graças a Epaminondas, consegui um navio pirata e navegamos desde então. Era um navio fantasma, e todos que entravam lá eram como fantasmas também. Então, estavamos quase seguros. Quase. De acordo com o velho, eu tinha uma áurea muito poderosa e que nem o poder fantasma podia me esconder. Porém, a noite, ninguém nunca me perturbava. Eu ficava totalmente invisível, aos olhos de mortais, monstros e imortais, a não ser que eu quisesse ser vista.

- Capitã Skayler, veja. - Disse o velho, apontando seu dedo magro e transparente para o sul. E sim, se caso notou, eu tenho o mesmo nome que o meu dragão.

Olhei, aparentemente era uma ilha, sem ninguém ou nada por lá.

- O que?! Quer parar o navio de novo?! Viu que horas são ainda? Três da tarde, seu velho maluco. Nem pensar, continue navegando.

- Mas, capitã...

Olhei furiosa para ele. Todos se encolhiam quando eu olhava daquele jeito, com meus olhos sinistros (presente da mamãe). Meus olhos eram tons de preto, azul e roxo, com vários pontinhos brancos. Olhos de galáxia. Se você os encarasse muito, iria ficar perdido no que o velho chamava de "perdição ultra-galática". É como se você ficasse preso num sonho, caindo pelo espaço sideral, pra sempre.

Epaminondas desviou sua atenção para a frente, para continuarmos seguindo, e eu voltei a dormir na minha rede trançada com folhas.

Assim que fechei os olhos, comecei a me lembrar da escuridão, do calor, da lava, dos monstros... Pedidos de ajuda em vão, unhas sangrando de tanto arranhar as paredes, numa tentativa inútil de escalar até a superfície do Tártaro.

Meu pesadelo sumiu quando caí da rede. Acordei assustada e olhei em volta.

- Desculpe, capitã! Acho que não vi a ilha, e batemos. - disse o velho Epaminondas.

Corri para a frente do navio e olhei. Era a ilha que ele apontará um pouco antes. Havíamos batido na terra, havia um buraco preocupante no casco. Olhei para o velho, vermelha de raiva.

- Você não viu uma ilha imensa bem no meio do mar, que a propósito nem estava no nosso caminho? Que, por uma coincidência, era a mesma ilha que você apontou á alguns minutos atrás, querendo que parassemos?

Ele ergueu as mãos, mostrando rendição.

- Capitã, estamos em um lugar que você está segura. Não há o que temer aqui.

- Você disse isso na Ilha das Cobras e Skayler Dragão quase morreu de tantas picadas, seu velho idiota!

- Peço desculpas por aquele incidente, precisávamos de comida, capitã. Mas acredite em mim agora. Este lugar é seguro para pessoas como você.

Olhei em volta. Não parecia ter nada de especial naquela ilha.

- Do que é que você está falando? Não tem nada aqui!

- Ah, tem sim, minha capitã. Vamos descer.

Sendo um fantasma, bastava Epaminondas querer atravessar as coisas, e pronto. Quando olhei, ele já estava lá embaixo, na areia, meio transparente por causa da luz do Sol. Dei um pulo e pousei levemente no chão. Adorava ter essa habilidade. Chamávamos de pulo de gato. Não importa a altura, eu sempre caía sem o menor ruído no chão.

De repente, ouvi risadas. Estavam baixas, mas ainda sim, perto.

Automaticamente me abaixei.

- Tem pessoas aqui, velho. Rápido, se esconda!

- Não há o que temer, capitã. Venha!

Ele começou a flutuar até onde as risadas estavam. Segui-o em silêncio, olhando para todos os lados. Estava acostumada a ataques.

- Velho! Onde está indo? - perguntei.

Ele me ignorou e continuou flutuando. Até que chegamos em um lugar estranho, um tipo de vale. Haviam vários daqueles chalés de praia espalhados, um diferente do outro. Havia uma construção sem telhado alí perto, uma casa bem grande ao fundo do vale, e muitas, muitas pessoas. Elas estavam usando um tipo de uniforme escolar. Deduzi por conta do número grande de pessoas usando a mesma camiseta. Laranja com os dizeres "Acampamento Meio-Sangue" na frente, e o desenho de um daqueles humanos metade cavalo que eu odiava tanto, segurando um arco e flecha. Alguns alí usavam armaduras de guerra por cima do uniforme, e todos carregavam uma espada. Olhei perplexa para aquele lugar.

- Onde estamos? - perguntei.

- Esse é o Acampamento Meio-Sangue, minha capitã. Um lugar seguro para todos os meios-sangues do mundo.

A Filha de NyxOnde histórias criam vida. Descubra agora