A face da preguiça

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Apesar de ser noite, ainda eram cerca de 19hs, então decidimos ir mesmo assim até a próxima pecadora. Piper nos guiou pelos céus. Chegamos em meia hora. Pousamos nossos dragões em uma casa escura e pequena. O mato estava tão alto que cobria até Skayler e Festus. Em algum tempo, houve um jardim muito bonito bem em frente, porém estava murcho e sem vida agora. Os dragões ficaram de guarda lá fora. Leo foi na frente, cortando o mato a nossa volta com um facão que pegou de seu cinto.

Chegamos em frente a casa. As janelas estavam escuras de tanta poeira. Alguns vidros estavam quebrados. Piper passou o dedo em uma das janelas para tirar o pó e tentou olhar lá dentro. 

- Parece uma luz alí, bem fraquinha. - disse ela.

Bati na porta. Não ouve resposta. Sem paciência, resolvi abrir. Estava destrancada. A casa estava escura. Ouvi passos de coisas minúsculas andando no chão. Leo acendeu uma chama na própria mão, e iluminou o local. 

- Você tem poderes de fogo? - perguntei.

- Fala sério, eu sou o poderoso Leo, docinho... - disse ele, pomposo.

Eu ri. Vi que haviam baratas andando pelo chão, encima de uma mesa vazia e cheia de poeira. Haviam teias de aranha em toda parte. Ratos passavam entre nossos pés e se escondiam. 

- Alí. - Piper apontou para o outro cômodo, onde havia uma luz muito fraca de vela. Fomos até alí.

Graças ao fogo de Leo, conseguimos enxergar. O lugar fedia a mofo. Havia um criado-mudo com a vela já no fim encima. Ao lado, uma cama de casal bagunçada. Havia uma pessoa deitada encima. O que vimos nos deu ânsia de vômito.

Era uma mulher. Usava um vestido de flores todo amassado e sujo. Ela estava com o cabelo inteiro embaraçado e era tão comprido que chegava no chão, onde ratos fizeram um ninho nas pontas. Ela estava magra a ponto de dar dó. O colchão estava fundo no meio, onde ela estava deitada, como se ela não levantasse dali a muito tempo. 

- Bia? - perguntou Bella, assustada.

A mulher abriu os olhos, mas não se mexeu. 

- Hm? - resmungou ela.

- Como você chegou a esse ponto?

- Hm 

Bella entregou o bebê para Piper e se aproximou da tal Bia. Fui com ela.

- Essa é Beatrice, ou o que sobrou dela... É a preguiça. - explicou Bella. - Antes, ela tinha preguiça se trabalhar, limpar a casa, coisas assim... Mas, preguiça até de comer? Até de levantar da cama?

Beatrice não se movia. Era tão preguiçosa que não virava nem a cabeça para nos olhar. 

- Eu sou Skayler, filha de Nyx. Estou aqui para te libertar. - disse á ela.

Isso fez ela se mover. Se virou na cama para conseguir nos ver. Estava fraca, mas ainda sim conseguiu mexer a mão e estendeu-a para mim.

Peguei a mão dela. Era tão frágil que fiquei com medo de quebra-lá sem querer. Ela não precisava dizer nada. A maldição estava a consumindo, de uma forma tão bruta que estava lhe matando aos poucos. Acredito que nenhuma das outras pecadoras sofreu tanto quanto Beatrice, por causa de preguiça. Não percebi antes, mas na mão dela que eu estava segurando, havia um pequeno papel. Estava mais sujo do que os outros.

- Estava guardando... - sussurrou Beatrice. - minhas últimas forças... - ela tinha que parar várias vezes para respirar. - para sua chegada. Por favor... Eu não... Aguento mais isso... 

Abri o papel e li: Srta. Beatrice, por causa de seus atos extremamente preguiçosos para com absolutamente tudo, e por isso deixar inclusive de ajudar as pessoas, você foi amaldiçoada. Eu agora declaro que você está perdoada de seus atos, e pode descansar em paz.

Quando terminei de ler, Beatrice colocou as mãos sobre o peito e fechou os olhos, sorrindo. E então, simplesmente sumiu, deixando um rastro de poeira que fez todos nós tossirmos pó.

Saímos da casa fedorenta e esperamos Piper dizer onde era o próximo. Por sorte era a apenas quinze minutos dali. Subimos nos dragões e fomos. Percebi que Bella estava triste pelo encontro com Beatrice. Os dragões estavam próximos, e poderíamos conversar. Decidi perguntar se ela estava bem.

- Sim, estou sim querida. - disse ela. - Eu só não acredito que a preguiça pode literalmente acabar com alguém daquela forma. Beatrice era a mulher mais linda que você pode imaginar... Pobrezinha. 

- Sinto muito. Vocês eram amigas? - perguntei.

- Todas nós ficamos mais próximas depois da maldição. Eu não conhecia nenhuma delas antes. Mas, eu adorava Beatrice, apesar de ser tão irritante...

Fiz que sim com a cabeça. Continuamos voando até vermos um chalé de praia. Eu não fazia idéia de que praia era aquela, mas era bonita. As águas eram tão límpidas que podiamos ver o fundo, até mesmo no escuro. Descemos perto do chalé de madeira. Aquele lugar sim parecia ter vida. Luzes estavam acessas, flores cresciam em volta e definitivamente alguém estava rindo alto enquanto assistia um programa de tv.

- Eu não vou entrar. - disse Bella. - Odeio a Medson. Boa sorte pra vocês. Pode me dar a bolsa de Mike, querido? Vou trocar as fraudas.

Leo entregou a bolsa do bebê a ela, e nós começamos a subir as escadas. Eram escadas altas, assim como a casinha. Provavelmente para não molhar caso as ondas viessem até alí. Chegamos na frente da porta e batemos. O volume da tv diminuiu.

- Quem é? - perguntou uma voz de lá de dentro.

- Ahn... Meu nome é Skayler, eu vim por causa da sua maldição.

Fez-se silêncio por alguns segundos. Então, ouvi a porta destrancando. Quando abriu, uma idosa saiu de lá. Parecia ter uns 80 anos. Tinha cabelos totalmente brancos, nariz comprido e torto. Usava óculos fundo de garrafa, uma camiseta florida desbotada, saía cinza de crochê e uma blusa da mesma cor que a saía. Estava descalça.

- Hm... Já não era sem tempo! Sabe a quanto tempo estou esperando? Á mais de 100 anos! Entrem logo. - disse ela, rabugenta.

Entramos. A casa cheirava a limão. Haviam gatos em toda parte, no sofá, encima da tv, encima da mesa... Ficamos em pé, já que os gatos não pareciam gostar muito de nós e também não iam nos deixar sentar. A idosa fechou a porta e se sentou.

- Bom, eu com certeza sou a primeira que você veio ver, não? As outras são tão insignificantes... Principalmente aquela Bella, ridícula! Dá pra qualquer um! Que nojo de mulheres assim... - disse ela.

Pigarreei. Estava para dizer a verdade, mas resolvi mentir. Estávamos lidando com o orgulho em pessoa. Era melhor deixar que ela acreditasse que era a primeira.

- Sim, você é a primeira mesmo. Mas, me diga, está arrependida? - perguntei.

- Gostaram da minha casa? Eu mesma mandei fazer. Tenho dinheiro de sobra para isso. E toda a praia está no meu nome. Ninguém entra aqui sem a minha permissão. E claro que não deixo ninguém entrar! - disse ela, rindo.

Tentei respirar fundo. Aquilo ia ser mais difícil do que eu pensava...

A Filha de NyxOnde histórias criam vida. Descubra agora