Lhe dei as costas e desci para a sala, bastante irritada. Como gostaria de obrigá-lo a me escutar! Só que isso era impossível, Eduardo era mais teimoso que uma mula.
Ele desceu, mas foi por que o jantar seria servido, passou pela sala, seguiu direto para a cozinha e eu em silêncio fui logo atrás; depois que se sentou, decidi me acomodar à sua frente. À mesa, ele conversava com as cozinheiras como se eu nem mesmo estivesse ali e isso foi me irritando. A cada sorriso que ele dava, Fia também percebia sua tentativa de implicar comigo; Anastácia se deliciava com tudo e dava corda, cheia de gracejos.
A comida que havia colocado em meu prato parecia não ter sabor nem mesmo cheiro, trancei os dedos e descansei sobre eles o queixo assistindo irritada toda aquela encenação. Depois de muito esperar e não obter a atenção dele, perguntei num tom de ameaça.
— Você não vai mesmo falar comigo? — Fui totalmente ignorada.
Não havia razão para ele continuar a abespinhar-se comigo, seu olhar de desprezo me feria. Como se eu não existisse, ele abaixou a cabeça e somente seus olhos me deram atenção, mas apenas por segundos. Rapidamente, ele voltou a falar com aquela cozinheira, que tinha o poder de me tirar do sério. Fui ficando tão indignada dos risos daquela empregada que quando me dei conta, já estava gritando em meio ao barulho do prato arremessado ao chão:
— Anastácia, pega as suas coisas e some daqui. Não vou mais precisar de você nessa fazenda. Está despedida!
A menina não entendeu o que ouviu, olhou para Eduardo como que pedindo socorro. Ele pegou o lenço, limpou a boca com muita calma e jogou-o sobre o prato com força, deixando evidente sua falta de paciência; em seguida, afastou a cadeira e caminhou até ficar bem próximo a mim. Para minha surpresa, apoiou o corpo sobre os braços e permitiu que seu rosto, talvez por provocação, ficasse a centímetros do meu. Por fim, ele quebrou o silêncio entre nós:
— Por que está fazendo isso? O que você quer? Aqui você manda, é a Sra. Dobráto!!! Pois bem, cumpro ordens, minha senhora, só que não pode prejudicar Anastácia dessa maneira! Essa menina não tem culpa dos seus delírios de patroa e saiba que existem coisas que não podem ser compradas. — Ele me confrontava, mas o que mais me irritava era a petulância e a arrogância, vivas em suas palavras.
— Pensa que é delírio meu?! Percebo como ela olha para você e como tenta chamar a sua atenção. Fia me contou que ela dorme com você.
Fia, assustada, me corrigiu no mesmo instante.
— Não falei isso não, senhor! Dona Kaila, não foi o que disse!
Ele sem desviar o olhar justificou.
— Não vê que é apenas uma menina! Não há razão para começarmos a discutir isso! O que aconteceu entre nós foi há seis anos, nunca mais a toquei. Além disso, você não tem nada a ver com a minha vida pessoal, se já me deitei com ela, é problema meu! E me deito com a mulher que eu quiser, você paga pelo meu trabalho, não manda em mim. — As palavras dele, terminaram num tom de ameaça. — E nem pense em prejudicá-la pelos seus caprichos. — E se foi.
— Seu... Eduardo, seu insolente, volta aqui agora!
Sem me dar importância, desapareceu atrás da porta. Fiquei paralisada, olhando as cozinheiras que presenciaram tudo; Fia, mais sensata, abaixou a cabeça e se assustou quando com força joguei uma travessa de saladas no chão. Se Eduardo estava com mil demônios, certamente a metade deles agora tinham encontrado repouso em mim. Sem demora, fui atrás daquele homem, na esperança de tentar fazê-lo me ouvir.
A noite foi agraciada com um céu carregado de estrelas e podia-se escutar o som melancólico do urutau, acompanhado pelo saudosismo do curiango, mesclados aos guinchos agudos das corujas. Tudo era como um aviso de que a vida e o movimento durante a noite também existiam. De longe, o olhei e inspirei lentamente, meus passos com as batidas do meu coração foram diminuindo gradativamente.
YOU ARE READING
Letargia O Despertar
RomanceUma das mais belas histórias de amor, onde o romance se divide com o suspense. Kaila, agora mais velha, se vê rodeada por conflitos inesperados. As lembranças do passado ressurgem e as decisões, que um dia foram tomadas por ela mesma, cobram o seu p...