Ao chegar à fazenda dos Calados, vi Bela chorando mais afastada da casa principal. Pedi para Eduardo me deixar a sós com ela por um instante. Estávamos debaixo de uma sombra numa área mais reservada da fazenda, não havia ninguém por perto, os funcionários quase não ficavam naquela região.
— Bom dia! Quer dizer, não tão bom, pelo que vejo. — Sem graça, juntei as mãos e me forcei a perguntar: — Por que está chorando, Bela?
— Você ainda pergunta? Não imagina mesmo como estou me sentindo, Kaila? Estou arrebentada, desolada, traída. Sempre amei esse homem, fiz tudo por ele e é isso o que recebo? Desde o dia em que vocês brigaram que ele está bebendo e sendo grosseiro comigo. Eu o amo, Kaila! É por isso que estou chorando, porque me odeio! Não compreendo por que ainda choro, sou tão tonta assim? Até quando me colocarei nesse papel?
— Bela, também não sei o que aconteceu com Humberto. Estivemos juntos em São Paulo, na festa de minha recepção, conversamos bastante e ele me deixou bem claro que nunca trairia você. Disse que te respeitava demais para isso. Não sei se por ingenuidade minha cheguei a fazer algo, juro que se fiz, não tive intenção. Não tenho palavras ou atitudes que possam expressar ou mostrar meu arrependimento. Penso que em algum instante lhe dei esperanças irreais... Não posso fazer nada, Bela, queria poder tirar essa dor ou consertar todas as besteiras feitas por mim, no meu passado, mas...
— Não se culpe. Estou de pés e mãos atadas, afinal sou mulher dele e a separação é algo proibido na minha família. Decidi me casar com ele sabendo que não me amava, como castigo, tenho de pagar o preço, mas juro que nunca imaginei que ele poderia ser tão alto...
— Me fere ver você assim e lamento de verdade.
Num segundo de silêncio pensei comigo: se pudéssemos saber que ao tomarmos decisões, querendo ou não, teremos de lidar com as consequências, sejam elas boas ou más; se pudéssemos, antes de ver acontecer, saber o que aconteceria, poderíamos talvez evitar muitas dores causadas por um simples sim ou um não... Bela colhia agora os frutos semeados a muito tempo atrás e eles pareciam ter o gosto bem amargo.
— Kaila! No dia em que Humberto me pediu em casamento, sabia que não era por amor, mesmo assim me senti feliz, pensei que, com o tempo, conseguiria fazer com que me amasse...
O silêncio de Bela me levou a olhar na direção da porta, que se abria lentamente. Humberto surgiu, o rosto era de quem também não havia dormido. Eduardo imediatamente se aproximou e ficou junto a mim, cabisbaixo, evitando encarar Humberto. Tentei despreocupar Eduardo, dizendo que, apesar de tudo, ele não faria nada contra mim. Despedi-me de Bela e entramos para ter nossa reunião. A porta mal havia se fechado quando ele pontuou suas exigências.
— Não queria falar com você na frente desse peão. Peça para esse empregado sair, assim poderemos conversar como patrões, donos das fazendas, porque é isso o que somos. Não vou me igualar a esse homem.
Vendo a indignação se agigantar nas feições de Eduardo, coloquei a mão em seu ombro e pedi, com calma, olhando em seus olhos, para se retirar. Nos olhos dele, um brilho fosco irradiou diante de minhas palavras que certamente lhe feriram a alma e lhe angustiaram o espírito. Sabia que, por direito, ele também era dono, só que isso não passava nem perto dos pensamentos de Humberto, que aproveitaria a oportunidade e faria todo o possível para humilhar e tirar Eduardo do sério. Os músculos de seu rosto se contraíram diante do meu pedido e, mesmo hesitante, atendeu. Contra a sua vontade, se retirou em silêncio, deixando transparecer a preocupação por me ver a sós com aquele homem.
— Pronto! Agora tem de me escutar, Humberto.
— Estou loco para isso! — observou.
— Em primeiro lugar, saiba que não estou aqui como a Kaila, estou aqui como proprietária da fazenda Marcas D'água. Tenho conhecimento do projeto grandioso já elaborado, Eduardo me colocou a par, me mostrou as mudanças que pensavam em fazer e vejo que é tudo excelente. É impossível separarmos as fazendas. Por isso estou aqui, precisamos passar por cima das desavenças e seguir em frente. Não pode continuar com essa rixa, prender as mercadorias dentro das suas terras não é uma decisão muito inteligente da sua parte.
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Letargia O Despertar
RomanceUma das mais belas histórias de amor, onde o romance se divide com o suspense. Kaila, agora mais velha, se vê rodeada por conflitos inesperados. As lembranças do passado ressurgem e as decisões, que um dia foram tomadas por ela mesma, cobram o seu p...