Ao terminar de fazer minhas malas, fui até o quarto dela e bati à porta suavemente; quando vi o seu rosto, percebi que havia chorado.
— Posso entrar, tia? — Ela enxugou as lágrimas para me responder.
— Você quer mesmo entrar, Kaila?
— Estou indo com meu pai, mas não poderia deixar de agradecer tudo o que fez por mim. Não falo das surras, brigas, castigos, mas do amor que a senhora sente e se nega aceitar; falo de todas as vezes em que olha para mim e vê a mamãe. Sei que a amava e sei que a senhora só é assim porque o mundo a fez desse jeito. Tia, ame tio Filemom, não sei quantas vezes já o vi chorando, implorando pelo seu carinho. A senhora poderá se arrepender muito quando ele já não estiver aqui. É fato que ele não foi o homem que a senhora sonhou, mas ele é o homem que te ama. Infelizmente, não valorizamos as coisas que recebemos, pensamos que seria bem melhor aquilo que não temos ou não podemos ter, mas não é assim. Somos inconstantes e insatisfeitos. O que temos às vezes pode ser pouco, mas será muito se soubermos agradecer e valorizar. Seja grata sobre o pouco para que no muito se farte, ouvi essas palavras de alguém muito especial... Tio Filemom pode proporcionar muitos momentos especiais para a senhora, desde que a senhora aceite. Bem, espero que logo eu possa visitá-la, creio que isso é tudo.
Aproximei-me de tia Rebeca e, sem reservas, beijei-lhe o rosto. Consciente da dificuldade dela de retribuir esse gesto, me afastei e caminhei em direção a porta. Ela ficou parada, sem dizer uma só palavra, a melhor descrição: em choque; ficou, pareceu-me, a meditar sobre tudo o que havia lhe dito. Seus olhos estatelados não sabiam onde se fixar, sua boca não tinha palavras, até que ela acordou de seu transe.
— Kaila, não quero seu mal... Espero que... Kaila, eu...
— Tia, não se preocupe, sei que gosta de mim. Lá no quarto escuro, escondido e trancado está a chave que abre o baú em que está guardado o seu amor por mim. Acredite, com o tempo, talvez na solidão, a senhora vai entrar nesse quarto, encontrar essa chave e descobrir que muita coisa não valeu a pena. Mas, por favor, não deixe ser tarde demais para isso!
Fechei a porta e desci as escadas. Papai veio para carregar as malas abracei bem forte tio Filemom, que sorriu ao perceber que eu ficaria bem. Pena que não quis cumprimentar meu pai, mas eu o entendia.
Fomos direto para a fazenda; o movimento por causa da festa já era grande naquele lugar.
Consegui mudar algo. Precisava continuar tendo atitudes que influenciassem no meu futuro. Não quis me arrumar e não mexi na caixa que papai havia me dado. Prendi o cabelo e usei uma de minhas roupas. Ao ficar pronta, fui até o quarto de Humberto.
Enquanto caminhava, algumas pessoas que trabalhavam para organizar a festa olhavam para mim, o medo de pensar em como tudo poderia se repetir me fazia tremer e temer.
Desesperada é uma ótima palavra para me descrever nessa ocasião. Havia ainda uma possibilidade de não encontrar Humberto e de tudo acontecer igual à primeira vez. Bati suavemente à porta e nenhum som, nenhum movimento, nenhuma resposta. Meu coração gelou e assustado bombeava. Decidi forçar a tranca de uma vez e entrei. Meus olhos correram por todo o lugar rapidamente até que consegui vê-lo, ele abotoava a manga da camisa. Com o barulho, se virou, sem entender o que acontecia.
— Posso entrar?
O rosto de Humberto reluziu quando me viu, ele não imaginava que o procuraria secretamente.
— Kaila?! É você mesmo?
— Cheguei há um bom tempo e fiquei no quarto de hóspedes, até ter certeza de que poderia falar com você a sós...
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Letargia O Despertar
Roman d'amourUma das mais belas histórias de amor, onde o romance se divide com o suspense. Kaila, agora mais velha, se vê rodeada por conflitos inesperados. As lembranças do passado ressurgem e as decisões, que um dia foram tomadas por ela mesma, cobram o seu p...