Capítulo 19

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Como eu a conhecia bem, desta vez não lhe estendi a mão. Ela pediu para que chamasse nosso irmão. Não disse nenhuma palavra, apenas sorri para ela, indignada por tudo o que havia feito comigo. Ou será que havia apenas sonhado? Todas as dúvidas que eu ainda tinha eram muito grandes. Sonho ou realidade? Não poderia afirmar... Tudo o que ainda viveria era uma incógnita.

Não demorou e meu irmão surgiu sorrindo. Por impulso e saudades, corri para abraçá-lo. Todos ficaram sem entender a minha reação. Abraçar alguém como se já fôssemos grandes amigos sem nunca termos nos visto, com uma reação totalmente diferente da que tive com Claudete... Papai e Jorgina se olharam com um sorriso confuso.

— Esta é a tão falada Kaila, minha irmã? Não sei se você sabe que papai há muito tempo a procurava; desde que me entendo por gente, ouço falar em você; mas você não se parece com papai!

Antes que ele respondesse, eu mesma disse o motivo:

— É porque me pareço mais com a mamãe.

Ao interrompê-lo, não precisei ver a tristeza nos olhos de Jorgina, mas um belo sorriso ao se aproximar, convidando-nos a tomar um lanche.

Todos se sentaram à mesa. Olhei, então, à minha volta e me senti como se estivesse em minha casa. Claudete me observava, tentando desvendar suposições.

— Quer dizer que você deixou tudo para trás e veio começar uma nova vida?

— Sim! — Forcei um sorriso. Precisava evitar comentários ou acabaríamos discutindo.

— Você tem quantos anos? Já era para estar casada, não?

— Sim! Pelo costume das famílias, já era para estar casada. Estou com vinte e dois anos e concordo com você, vou procurar um pretendente.

Claudete arqueou as sobrancelhas e deu um pequeno sorriso debochado. Claro que não reprimi; Jorgina veio em meu socorro:

— Querida, pelo que seu pai me disse, você chegou a ter um pretendente.

— Amigo! — disse apressadamente — Apenas um grande amigo, não foi nada demais; ele gosta de uma jovem, ela se chama Bela, sei que logo eles se casarão.

— Seu nome é Kaila? É esse mesmo o nome dela, papai?

— Sim, minha filha!

— Bem, Kaila, vejamos pelo lado bom, esse jovem não foi iludido por uma jovenzinha qualquer. Com toda certeza, qualquer moça naquela região seria melhor pretendente. O pouco que sei é que nem mesmo escrever você aprendeu. Muito triste, diga-se de passagem. Se ele tivesse colocado os olhos em você, é fato que sofreria muito, chega a ser deprimente! Como as classes sociais influenciam numa harmoniosa convivência...

— Claudete, minha querida irmã, sabe o que penso? — com os lábios curvados depois de um curto silêncio, prossegui — Que você é muito ciumenta e irritante, claro... Capaz de qualquer coisa para me destruir! Acho que vou ficar atenta aos seus movimentos... Pensando bem, não quero ser picada ou infectada, vejo que vou precisar ter muito cuidado.

Foi mais forte a vontade de dizer a ela tudo o que eu pensava; abaixei a cabeça, na esperança de desfazer o malfeito. Papai arregalou os olhos, colocando o talher devagar sobre o prato, não entendendo minhas palavras.

Meu irmão novamente começou a bater palmas e eu tive de ouvir a mesma frase já dita por ele, isso me irritava! Queria e precisava mudar o que já havia visto, sonhado ou presenciado.

— Enfim, alguém para desbancar essa princesinha!

Não há como negar a tortura de não entender o que realmente estava acontecendo, isso me angustiava: e se estivesse novamente num sonho...? Ela indignada se levantou e rispidamente sem medir as palavras vomitou seus reais pensamentos.

Letargia O DespertarWhere stories live. Discover now