CIRCUNSTÂNCIAS

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Jimin fechou a porta com cuidado; não tinha problemas com barulho, mas esse dia em específico, qualquer ruído faria  desencadear uma onda em resposta ao estresse que sentia. Deixou a chave na fechadura, discando a senha para que fosse completamente trancada. Suspirou, enquanto retirava os sapatos, torcendo o pescoço de um lado para o outro, ouviu os nervos estalarem, dando uma breve alívio na tensão de seus músculos.

   - Isso pode te machucar, Dr!

O cirurgião parou, estático.

Sua mente trabalhou de modo veloz, buscando meios de fulga.

Olhou para as chaves na fechadura, tentando calcular o tempo que levaria para discar a senha e gira-las.

Daria tempo de fugir de quem quer que fosse o invasor?

- Eu não quero te machucar, por favor, não fuja.

    Trêmulo, Jimin segurou a maleta com força, se obrigando a seguir em direção ao som. Encarou o homem grande sentado em seu sofá, engolindo em seco.

     - Você pertence a algum grupo ativista? - sua voz estava tão travada que o som saia grosso e falho, bem diferente do grave sexy que usava para flertar.

    - Não doutor. Não estou aqui para roubar, assassinar ou sequestrar o senhor. - o homem respirou fundo - O que quero está bem acima disso.

   - Se não vai me causar nenhum dano físico, ou econômico; o que deseja ao ponto de invadir minha casa? -  Jimin não se aproximava um centímetro se quer.

Por fora, se mantinha estável e calculista.

Por dentro, já tinha sofrido ataques múltiplos.
   
- Quero que me conserte - o doutor franziu o cenho.

Era um cliente?! Detestava quando usavam o termo "consertar", quando diziam isso, significava que a cirurgia ia além de uma alinhada no nariz, afilamento no rosto, ou excesso de pele após emagrecimento. Era algo além do estético, mais profundo do que a imagem refletida.

O histórico de Jimin em corrigir sequelas de espancamento, e até correção do perímetro após rompimento causado por estupro, não era algo que poderia ser ignorado. Sabia que o "consertar" sempre estava acompanhado de uma grande carga emocional; e se o desespero levou o homem a invadir sua casa, significava que o assunto era mais pesado do que sua mente cansada gostaria de lidar.

   - Desculpe, não posso ajudar agora. Vá ao meu consultório, e marque uma hora - esperava que o estranho lhe desse uma resposta negativa, mas precisava tentar.

O homem retirou o capuz que escondia seu rosto, devagar, ampliando a áurea tensa e quebradiça que cobria todo o ambiente.

O cirurgião segurou a respiração em choque, se arrependendo de ter decidido ir para casa naquele dia.

   - Céus!

   - Eu sou um nova espécie. Quero que você, humano, me conserte.

.................................

      Jimin tinha seu olhar vidrado no nova espécie, não ousava o desviar nem por um milésimo de segundo, suas ações estavam no automático, se tivesse que decidir sobre respirar teria morrido.

   -  Estudei sua cultura, sei que humanos mudam seus rostos e corpos quando querem aceitação. Eu quero ser aceito!

    - Não é bem assim - comprimiu os lábios, inflando as bochechas - É mais do que ser aceito, todos tem sua singularidade. Se for fazer uma intervenção apenas para ser aceito, jamais ficará satisfeito.

     - Sei o que quero doutor. Quero parecer humano.

    - E como seus irmãos vêem isso? Não será ofensivo para eles?

     Ven lançou um olhar especulativo para o médico que esperava sua resposta.

    - Em uma de suas palestras, você disse que pessoas são indivíduos, não cabe aos outros decidirem o que cada indivíduo deve fazer ou ser para alcançar a felicidade; Eu não sou uma pessoa para você?!

    O médico jogou os cabelos para trás, um pouco desnorteado. O espécie pesquisou mesmo sobre o assunto, a ponto de colocá-lo em uma armadilha demagógica.

     - Mas o indivíduo também precisa lidar com as consequências de suas escolhas. Realizar um procedimento de intervenção estética em você, pode colocar minha carreira em risco. Os ativistas, contra a padronização estética, já me acusaram de tudo, menos de antiético. Eles não têm nada para me acusarem e mesmo assim acusam, imagina se eu lhes dou um motivo?! E o líder de vocês? O tal Justice.

    - Namjoon! Ele atende por Namjoon agora. Não fique preocupado com ele, nenhum deles tem conhecimento da minha localização. Eu fugi.

    - Fugiu? Como assim, fugiu? Por quê? - Jimin estava com a pele do rosto em vermelho, como alguém perto de um ataque. O especie começava a achar o humano engraçado.

    - Quando fui liberto da Mercile, pensei que seria livre. Então me colocaram em uma gaiola maior como Homeland... Deveríamos ser como uma família. Como uma família pode se sustentar com seus pilares feitos de dor?  A verdade é que, apenas tentamos nos curar do que não tem cura, cada um dentro de Homeland tenta apenas deixar sua dor suportável. Eu não quero me curar, quero ser livre para sentir dor, quero sentir doer e com a dor me sentir real. Por favor. Estou implorando, humano. Me conserte.

    De tudo que sonhou para sua carreira, o brilhante cirurgião jamais cogitou ser tentado a mudar a fisionomia de alguém que sofreu manipulação genética.
   Mas não podia ser hipócrita, quantas vezes deu aos seus pacientes olhos grandes de europeus, ou pequenos como asiáticos? Não seria o primeiro desafio de sua vida, no entanto, seria o maior de toda sua carreira até aquele momento.
Jimin respirou fundo, sentindo a garganta queimar.

    - Qual a chance de sofrer algum tipo de atentado se deixar você dormir aqui?

     O semblante do espécie se iluminou, aquele humano era quem o deixaria normal, talvez assim ele conseguiria seguir em frente e esquecer o que os humanos da Mercile lhe fizeram.

   - Nenhuma chance. Fiz o impossível para não ser rastreado, e não farei nada com você.

     O doutor fez uma careta curiosa para o espécie.

    -  Onde estava dormindo antes de chegar aqui? Qual o seu nome?

    - Me chamam de Ven. Quando for humano, arrumarei outro nome. Estou á seis dias sem dormir, vim para a Coréia com humanos que levam pessoas para outros países sem passar pela polícia.

    - Imigrantes. Você veio com coiotes.

   - Eles eram humanos - Jimin deu um mini sorriso pelo espécie não conhecer um termo tão comum -  Era o único jeito do Namjoon não me rastrear; acho que não me deixariam entrar de outra forma de qualquer jeito.

    - Eu não vou te transformar em humano, você continuará sendo um espécie. Apenas sua aparência irá mudar, não sei o quanto conseguirei mudar.

    - Confio em suas habilidades, doutor.

    Jimin ficou pensativo. Cruzou os braços, entortando a cabeça alguns centímetros para o lado.

    - Você não pretende me pagar, não é?!

    O espécie abaixou a cabeça. Ele não tinha realmente pensado sobre isso.

    - Posso te pagar com serviços, sou um macho forte. Tenho um bom olfato e sou ágil, não como os felinos, mas muito melhor que humanos.

    - Ótimo! Eu sou um macho fraco mesmo, isso vai ser útil. Tenho um quarto sobrando, poderá se acomodar nele até encontrarmos outro lugar para ficar. Pegue qualquer coisa que tiver, te levarei para que possa dormir. - Jimin reparou que o homem não carregava nada, comprovantes de que a fuga não se passava só de uma estória, e sim um fato - Minhas roupas são pequenas para o seu porte físico, as minhas maiores ficarão justas em você. De manhã conversaremos mais sobre isto, agora preciso descansar. Me acompanhe.

  

Vengeance, Renascimento (NE)Onde histórias criam vida. Descubra agora