9《 Quebrada 》📃

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O sangue escorrendo lentamente pela minhas coxas, por milésimos de segundo trouxe a sensação de alívio, paz, como se o mundo tivesse parado e o nada se tornasse um só comigo. Sem sensações, sentimentos... Sem dor. Apesar disso, posso dizer que é uma ilusão, a dor nunca vai embora, esqueço tudo somente por estar atenta ao gilete penetrando a superfície da carne. É uma maravilhosa ilusão, por isso continuo cortando quantas e quantas vezes forem necessárias.

Quando deixei o hospital, Janayra não seguiu o trajeto para a boate, trazendo-me para casa. Não estava pretendendo me cortar, nem consumir meus remédios, estava de boa, mesmo com toda aquela cena que aconteceu no hospital. Queria beber e dançar, somente isso.

Como não aconteceu como planejei fui trancada por ela dentro do quarto. Pensando está me protegendo ligou para Roberto vim auxiliá-la. O que piorou tudo, ele chegou justo na hora que fiz o terceiro corte em cima dos que estavam cicatrizando. Brigamos feio e ele foi embora levando todas as giletes e objetos que poderia usar para me cortar.

O único lugar que não procurou foi dentro da maleta de maquiagem.

Não adiantou de nada, ele se foi e permaneci cortando e cortando. Não lembro como aconteceu ou a hora que apaguei, no entanto acordei no hospital três dias depois. Precisei de doação de sangue, parecia que tinha emagrecido uns dez quilos, ou estava magra demais e não tinha notado antes.

Janayra encontrou-me desacordada minutos depois que apaguei, por isso sobrevivi.

Meu tio Ory teve que vim dos Estados unidos para fazer a doação. Janayra me contou a reação de Lucas; papai ficou decepcionado por não ser compatível comigo, meu sangue é A+ como da minha mãe. Ele não poderia ficar por muito tempo, esperou que acordasse para poder ir embora.

— Sei que não é somente pelo falecimento da Samantha que estar fazendo isso com você, minha filha. Conhecereis a verdade e ela vos libertará. Esse versículo é tão conhecido, e o menos vivido. Reconheça o que te levou a esse nível de podridão que está sua vida. Você é mui amada, Hope. O que você fez não muda em nada o amor que Deus sente por você. Pode colocar essa máscara de menina malvada, mas nós sabemos a verdade. Procure dentro de você, vai achar a resposta, a morte de sua mãe foi o stopim, não o fator principal. — disse abraçado comigo. Não soube como rebater de forma malcriada. Debilitada era a palavra que me definia

Recebi visitas dos meus antigos discípulos, o que foi vergonhoso, queria gritar para todos aqueles jovem que um dia cuidei irem embora. Não realizei minha vontade, não fiz nada a não ser chorar.

Evitava encontrá-los, não queria que me vissem naquele estado. Um dia cada um deles me enxergou como um exemplo, um referencial e o que me tornei? Um ser abominável. Achei que o olhar de perna e de abominação recairia sobre mim, não foi o que aconteceu.

Não encontrei julgamento, não encontrei espanto ou nojo, porque até eu sentia isso de mim, e não poderia culpá-los se me julgassem assim, não seria nenhuma mentira. O que encarei foi aquele mesmo olhar de admiração, de amor, de carinho. Não sei porque raios aquele mesmo olhar de quando era Hope a santinha, certinha, líder, permanecia lá. O que deixou todo meu ser mais quebrado do que estava.

Eles me abraçaram, disseram palavras positivas e se foram pedindo para que não sumisse de novo.

— As burrices que você tá fazendo, não apagam o que fez de bom lá atrás. Você deixou um legado na vida desses jovens, Hope. Querendo ou não. — Zoe disse depois que eles saíram.

David trouxe Lukinhas para fazer uma visita e aqueceu meu coração de certa forma. Zoe todos os dias estava no hospital junto com Enzo. Fiquei cinco dias em observação, até receber alta.

Ainda há Esperança (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora