Lembranças Cinzentas

Capítulo 4

HANNAH

Paro o carro em frente a farmácia, respiro fundo e tento criar coragem para descer, embora seja uma briga interna eu sabia que tinha que me acostumar com isso. Tenho que aprender a sair de casa, a respirar o ar da rua e a ver pessoas. Agora não me resta outra alternativa.

É tão esquisito pensar assim, pois já foi algo comum para mim, tanto que nunca imaginei que um dia eu me sentiria uma mulher tão primitiva, como se o mundo e tudo ao meu redor fosse algo novo para mim, e não, não é.

Eu sei. Eu tenho consciência de que agora eu já tomei a decisão e não posso voltar atrás, não fui até os correios pedir um emprego, para desistir uma hora depois. Ou eu enfrento, ou vou ter que pedir dinheiro para os meus pais, e se eu pedir eles com certeza vão aparecer na porta de minha casa, para começar com aquele sermão de que "não é algo que eu deveria enfrentar sozinha" e eu não queria que isso acontecesse, não queria mesmo.

E foi pensar nisso que criei forças de sair do carro e entrar na farmácia.

Como em qualquer outro lugar que entro, tento não perder tempo, vou direto naquilo que quero, a tinta de cabelo. Pego a tinta loira platinada e vou rapidamente para o caixa, a atendente sorri de forma simpática, porém não consigo sorrir de volta para ela, logo ela tenta me oferecer um produto, um sabonete feminino que ela diz ter cheiro de flores, porém, digo rapidamente que não quero, pago em dinheiro, e pego a sacola com minha caixa de tinta.

Antes, eu costumava pintar o cabelo num salão de beleza, embora, sempre costumei a pintá-lo da cor natural dele, castanhos escuros, sempre fora apenas para dar brilho. Agora, já faz algum tempo que estou com cabelos loiros, como ando sem paciência para cuidar dele, já estão ressecados, e sei que terei que dar um jeito neles, já que começo a trabalhar daqui dois dias.

Lembrar desse detalhe, me faz sentir um frio no estomago, fico pensando em como irei lidar com essa situação, como será que vai ser quando eu voltar a trabalhar? Já faz um tempo que ando sem metas, sem saber o que fazer da vida. Com certeza trabalhar nos correios não faria parte dos meus planos, não da Hannah antiga, mas a atual só pensa que precisa ganhar dinheiro, que tem que continuar se mantendo sozinha, que não pode continuar sobrevivendo somente com as reservas.

Ao chegar em casa, eu pego o resto do descolorante e das aguas oxigenadas que tenho em casa, e pinto o cabelo, meu maior foco é na raiz, que já está escura, logo depois pego um resto de creme que tenho e faço uma hidratação. Ao terminar vejo que o aspecto do cabelo melhorou, está com mais brilho, porém precisaria ainda de mais umas hidratações para voltar a ser o que era antes, mas acredito que já estou apresentável para começar o trabalho.

Eu teria um entediante trabalho de escritório, a parte boa é que eu ficaria em uma sala sozinha, a parte ruim é que teria que usar muito o telefone, mas não precisaria ter tanto contato com os meus colegas de trabalho, meu horário não é ruim e o salario muito menos, Donna foi muito gentil comigo, além de me dar um trabalho, não me dera um trabalho ruim, talvez observou as minhas características e viu o que eu mais me encaixava.

Eu estou definitivamente disposta a tentar ser uma boa funcionária, não queria decepcionar Donna, o que ela fez não é para qualquer um, é difícil alguém olhar o meu estado e depositar algum tipo de confiança em mim, mas ela assim o fez. Fora fiel quando disse que ficaria me devendo uma.

Donna até mesmo se esqueceu o fato de que praticamente a cidade inteira deve pensar que sou esquisita, que os falatórios nos quatro cantos de Green Ville é "que sou uma maluca que não saio de casa", ou que pelo menos sou uma pessoa cheia de problemas.

Sei que Donna tem uma qualidade de trabalho a zelar, e não é fácil estar num cargo acima, eu poderia prejudicar ela, eu poderia ferrá-la no emprego. Pensar nisso me deixa nervosa, pois fora ela que me contratou. Eu não podia travar, eu não podia fazer merda, eu tinha que esquecer, pelo menos um pouco quem eu sou.