Prólogo

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Prólogo

- Stra. Selena, vamos! - a garota ouviu sua dama de companhia a chamando.

- Já estou indo, Ginevra! - ela respondeu, pegando a mochila de couro que estava sobre a cama de dossel.

- Já disse que pode me chamar de Gina, senhorita. - a dama de companhia tomou-lhe a mochila dos ombros.

- E eu já pedi para não me chamar de senhorita. - insistiu a garota. - Lena sempre foi bom pra mim, não sei porque só Caspian consegue me chamar assim!

- Tomamos Lena apenas como um apelido íntimo do Rei Caspian para contigo, Selena. - disse a dama de companhia.

Selena - ou apenas Lena - revirou os olhos, e foi para frente do espelho, checar seu traje. Selena Restimar era filha de um lorde há muito desaparecido e era considerada prima do atual rei de Nárnia, rei Caspian. Estava prestes a embarcar em uma viajem com ele e alguns marinheiros corajosos para ir atrás dos lordes que desapareceram durante a regência do usurpador Miraz em Telmar. Acabara de completar seus dezesseis anos e mal podia esperar para encontrar seu pai.

- O que acha desta roupa? - Lena perguntou à dama que não era mais do que cinco mais velha do que ela.

Selena tinha os cabelos longos e acastanhados, olhos castanhos-esverdeados e um corpo definido. Não era nem baixa, nem alta; e era linda, mas ainda assim não estava satisfeita consigo mesma. Achava que não havia nada de chamativo e si e mesmo assim não tentava chamar a atenção com roupas extravagantes. Para o embarque do navio Peregrino da Alvorada, ela usava calça simples marrom, uma blusa branca que apenas se ajustava às suas curvas pois ela mesma a recosturara, um colete preto e botas masculinas. Todas as peças que usava - e levava na mochila de couro - foram pegas no guarda-roupa do primo, que apenas achara graça dela. Mas ela nem se importava.

- Acho essa roupa muito inadequada para uma dama como a senhorita usar, stra. Selena. - disse a dama de companhia. Era mais velha que Selena, mas era mais baixa e loira.

Selena revirou os olhos. - Não posso usar aqueles vestidos extravagantes que você me obriga a vestir em um navio, Ginevra.

- Ainda tenho minha opinião de que seria mais apropriado esperar por notícias do Rei Caspian na segurança do castelo. - Gina voltou a dizer.

- Ginevra, querida, você um dia vai entender como é a adrenalina de participar de uma aventura. - Lena disse, retomando a mochila das mãos de sua dama de companhia e atravessando o quarto que tinha no castelo do rei.

- Não vejo a menor graça, madame. - disse a dama, acompanhando a ama pelos corredores do castelo. - São todos um bando de bárbaros. Damas não deveriam participar de nada disso!

- Isso você quer dizer a guerra. - disse Lena calmamente, ouvindo as botas do primo que usava batendo no mármore do piso. - Você sabe o quanto eu quis participar da guerra contra Miraz. Aquela entre telmarinos e narnianos.

- A senhorita me diz isso todos os dias. - resmungou Gina. - Mas ainda tínhamos que mantê-la segura, como fizemos desde que seu pai desaparecera.

Selena bufou. - E não eu não gostei nada disso! Eu poderia ter conhecido Caspian antes de tudo e eu poderia participar da guerra!

- Mas a senhorita ainda era muito novinha. Mal completara seus treze anos!

Selena parou no meio de um dos corredores e encarava a dama de companhia, tentando se controlar para não gritar.

- Mas a Rainha Lúcia tinha apenas nove anos quando viera a Nárnia pela primeira vez! - ela insistiu. - E eu poderia ter conhecido os Reis Antigos ainda na guerra de três anos atrás! Ainda espero o dia em que vou conhecer os reis mais novos, assim como Caspian espera poder revê-los!

- Minha senhorita - Gina falou calmamente, sabendo como as vezes sua ama podia ter o comportamento explosivo -, devia saber que eles podem demorar outros mil e trezentos anos para retornar. - e ela esperou que Selena começasse a gritar e a xingar, como fazia sempre que tinha raiva.

Mas se surpreendeu quando a garota apenas suspirou e formou uma expressão entristecida. - Eu sei, por isso que eu queria ter participado daquela guerra. Talvez fosse minha única chance.

- A esperança é sempre a última que morre, stra. Selena.

Selena abriu um sorriso triste. - Nunca vai me chamar de Lena, não é?!

Ginevra sorriu divertida, enquanto balançava a cabeça negativamente. Voltaram a andar, então, em silêncio, pela extensão do castelo, até que enfim chegaram aos portões principais.

- Volte viva, Lena. - a dama disse à garota, que ficou estupefata.

- Você me chamou de...?

- Chamei e passarei a chamar sempre assim quando voltar. - a dama sorriu gentilmente e foi surpreendida por um abraço carinhoso da garota. - Volte viva.

- Voltarei, Gina. - Lena disse sorrindo, quando se separou de sua dama. - E voltarei com meu pai.

- Estou contando com isso.

~*~

Selena atravessou toda a extenção do reino até o porto de onde partiria o Peregrino da Alvorada e nem mesmo se espantara ao ver tudo deserto. O povo estaria observando a partida do rei e dos marujos corajosos que embacariam com ele. Quando viu uma leve movimentação à frente, deduziu que já se aproximava do porto.

- Lena, finalmente! - ela ouviu a voz que lhe era tão bem conhecida. Não era seu primo e melhor amigo, mas lhe era tão amigo quanto ele.

- Rip! - ela se abaixou para poder ver o ratinho mais de perto.

- Demorou para chegar, Lena, estamos quase partindo! - disse o rato, subindo pelo braço da garota e se empoleirando em seu ombro.

- Será então que o ratinho corajoso se habilita em me ajudar com o caminho?! - brincou a garota, voltando a caminhar por entre a multidão que começava a se aglomerar à sua frente.

- Com todo o prazer, senhorita Restimar! - o rato fez uma reverência exagerada, arrancando uma risada da garota.

E então foram os dois por entre a multidão, atravessando aquele mar de pessoas até conseguir embarcar no grande navio. E então o navio levantou âncora, se afastando aos poucos do porto.

- Não vai se despedir de ninguém, Lena?! - perguntou Caspian, se afastando da lateral do navio, onde acenara para o povo.

Selena permanecera afastada dali, apenas observando os marujos que acenavam em adeus para suas famílias. Ela não olhou para o primo enquanto respondia em um tom seco e amargo.

- Não tenho ninguém para me desejar boa viagem ou para despedir.

InesperadoOnde histórias criam vida. Descubra agora