Capítulo 19

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Solar St. Davids, Maio de 1878.


A Viscondessa de St. Davids fechou os olhos por um instante e ergueu o rosto em direção ao sol, ela podia sentir o calor banhando seu rosto salpicado de sardas, as mechas de cabelos negros já tinham se soltado do seu penteado há muito tempo, suas mãos e vestido estavam sujos da terra sobre a qual ela tinha se ajoelhado, mas mesmo assim, sorriu! Pela primeira vez não tinha ninguém para censurá-la sobre seu estado desarranjado ou para proibi-la de cuidar dos jardins e das flores que com certeza cresceriam ali sob o seu cuidado no Solar.

— Assim? E as flores? — a voz de seu ajudante perguntou.

— Só estamos cuidando da terra, as sementes virão depois e então as flores crescerão. Lindas e coloridas. Que tipo de flores você quer plantar? — Emmaline perguntou tocando levemente as mãos nos cachos castanhos de Tommy como um dia sua mãe fez como ela e não pôde deixar de se emocionar com a lembrança que vinham com a semelhança da cena.

— Rosas, lady sempre cheira a rosas — desde que tinha descoberto que ela era uma viscondessa e ouvindo os outros criados, o garotinho a chamava incessantemente de lady, mesmo que ela já tivesse pedido que a chamasse de Emma.

— Essas também são minhas favoritas! Amarelas, como as de minha mãe, mas plantaremos rosas de todas as cores!

Emmaline sabia de qual cheiro Tommy estava falando, era a mesma essência de rosas que sua mãe tinha usado por toda a vida, nada a fazia se conectar tanto ao sentido de lar quanto àquela fragrância. Lembrava-se o exato dia em que colheram juntas as pétalas de rosas dos jardins de Hill Park para fazerem sua primeira essência e mesmo depois que a condessa morreu, continuou a fazê-la sozinha para que as memórias daquele momento não desaparecessem.

— Eu não tenho mamãe — as palavras vieram tão suaves que Emmaline se surpreendeu ao ouvi-las, desde que tinha chegado Tommy não tinha falado nada de seu passado, não fossem as histórias que os criados tinham contado e a situação que o encontrara, acreditaria que o garotinho era quase uma folha em branco pronta para ser preenchida.

— Nem eu, mas nos encontramos e agora temos um ao outro, é tudo que importa — não podia negar que o pouco tempo que tinham passado juntos tinha feito surgir uma parte sua que tinha adormecido quando viera ao Solar, a que ansiava por uma família — Olhe para nós! A Senhora Cobb não ficará feliz se sujarmos de terra o assoalho limpo!

O garotinho estendeu suas mãos sujas e abriu um sorriso banguelo que não falhou em arrancar uma gargalhada de Emmaline. Quase duas semanas de cuidados, refeições e roupas limpas tinha revelado um Thomas um tanto tímido, mas sorridente, seus grandes olhos castanhos curiosos ainda tomavam a grandeza do Solar como se nunca tivesse visto uma estrutura tão majestosa, tudo era novidade, ainda retraído perto de estranhos tinha se apegado à viscondessa com tanta facilidade que não permitia que se desgrudassem por um só minuto.

Emmaline ainda não acreditava que aquela era sua vida, um pouco diferente da qual tinha imaginado inicialmente, mas havia um certo tipo de quieta, senão prazerosa contentação em forjar um novo caminho diferente daquele que tinha sido traçado para ela. Mesmo que por pouco tempo, havia tomado gosto em tomar as próprias decisões, ser aquela a quem as pessoas recorriam por ajuda ou conselhos mesmo que por coisas pequenas relativas à casa. Sempre quis ser querida, necessitada, notada, ainda a surpreendia por ter encontrado tal sentimento de pertencimento no lugar mais improvável de todos, em um Solar à beira da ruína.

— Lady St. Davids! — estava tão distraída observando Tommy revirar a terra alegremente com as mãos que tinha falhado em ouvir o chamado — Milady, bom dia!

Cartas para um Visconde | LIVRO 1 | COMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora