Londres, Dezembro de 1877
James Weston, o Vinconde de St. Davids subiu no ringue aquela noite disposto a espantar os fantasmas do passado que o assombravam. Não viu o rosto do oponente enquanto colocava as luvas nas mãos, quando o árbitro deu o sinal, perdeu-se no ritmo dos movimentos, em uma sequência de jabs e ganchos que o fizeram suar. O boxe ultimamente era o único escape que conseguia da sua vida real. Quando o último sinal foi dado, sentia-se cansado o suficiente, talvez se fosse para casa imediatamente conseguisse dormir um sono tranquilo.
Após fazer sua toalete, James passou pelos corredores em direção à saída discretamente sem querer chamar atenção de ninguém, porém foi interceptado pelo dono do Clube Russel's. Oliver Russel era um homem alto e forte, sua pele escura fazia contraste com os dentes brancos, seu passado era um mistério, somente se sabia que veio de Whitechapel e que fez certa riqueza lutando boxe, havia boatos de que um de seus treinadores conheceu e treinou com o próprio Jack Broughton*.
O Clube ficava nas margens do bairro de Covent Garden, não era um dos locais mais respeitáveis de Londres e à noite podia se tornar muito perigoso para os que não soubessem transitar por essas áreas, porém quando o Duque de Sutherland passou a frequentar o local, logo o manto de respeitabilidade caiu sobre o Clube e os principais nobres começaram a vir treinar com boxeador.
- Bom treino esta noite St. Davids, mas talvez seja melhor deixar seus fantasmas fora do ringue da próxima vez – falou o boxeador.
James pensou em argumentar, procurou em si qualquer fagulha de emoção, mas não encontrou, simplesmente aquiesceu e saiu rua afora. Acenou para seu cocheiro que esperava um pouco mais à frente e entrou na carruagem, bateu no teto com o topo da bengala e seguiram viagem.
Ao virarem em Grosvenor Square, James já podia visualizar Weston Hall, a casa da cidade que ele conseguiu recuperar a muito custo. Depois de anos sem poder pisar na casa de sua família, retornar era um bálsamo para sua alma. O velho mordomo abriu a porta antes de pisasse na escadaria, Tilney era um dos antigos empregados da família que retornaram quando James conseguiu reaver a propriedade.
- Meu Lorde, gostaria que mandasse subir criadas com água para o banho para seu quarto? - Era o único que sabia de tudo que tinha acontecido e conhecia o Visconde desde criança.
- Não Tilney, obrigada, me banhei no Clube, subirei para meu quarto.
Subindo a escadaria de mármore para seus aposentos, James apreciava cada detalhe da mansão com novos olhos como se as tivesse vendo pela primeira vez, tinha que valorizá-las, pois sabia como era perder tudo.
Quando finalmente deitou em sua cama, sentiu o cansaço do dia e o peso dos seus trinta anos esvaírem-se.
O Visconde tomava o desjejum na manhã seguinte e lia as notícias do London Daily quando foi interrompido por Tilney que trazia um cartão em uma bandeja de prata, ao pegar o cartão leu o nome de Henry Croft, o Barão de Dormer.
- Pode mandá-lo entrar, Tilney - James esperou e observou o homem loiro alto entrar no salão vestido como ditava a moda, camisa branca, casaco preto, colete prata e o chapéu na mão. - Henry, a que devo o prazer a essa hora da madrugada? Está perdendo as boas maneiras, amigo - o Visconde brincou.
- Ora James, somos quase família, essas sensibilidade não se aplicam – o Barão ria enquanto olhava a comida de relance. Os dois se conheceram em Eton quando crianças. Quando o desastre sobre a família St. Davids se abateu, Henry foi um dos únicos a ficar do seu lado e lhe apoiar, por isso lhe devia muito – Trago notícias que podem te interessar.
- Sirva-se do café da manhã então e conte-me.
- Um conhecido de um conhecido foi contratado para transcrever umas cartas no escritório de advogados Bailey's & Sons. Ocorre que recentemente o Conde de Clifford levou sua conta para o referido escritório – o Barão contava enquanto se servia dos ovos mexidos e bacon com entusiasmo.
James levantou da cadeira e começou a percorrer a extensão da sala de um lado ao outro.
- Se conseguíssemos uma cópia desses documentos seria excelente – o Visconde falou com uma animação como não se via há tempos.
- Estou mais adiantado que você, amigo. Com um pouco de persuasão, se é que me entende, ele conseguiu fazer uma cópia de alguns documentos dessa conta – Henry tirou do colete alguns papéis e os estendeu a James – Aparentemente, algumas das propriedades que pertenciam a sua família foram vinculadas ao dote da filha do Conde, Lady Emmaline Hill – o Barão concluiu satisfeito.
O Visconde sentou novamente e analisou os papéis e a lista de propriedades e achou o que estava procurando. Constatando que realmente Davids Cottage, a cabana que passava o verão com a família estava na lista.
As únicas boas lembranças que tinha da infância foram passadas lá. Lembrava-se claramente do pai o acordando cedo e o levando ao lago para pescarem, passavam o dia todo no cais, pegar peixe era o que menos importava, mas sim as histórias que o Visconde contava sobre a família e as propriedades, James nunca fora tão feliz. E então tudo desapareceu.
A outra era uma no País de Gales, não se recordava de ter ido lá. James continuou a leitura do documento e empalideceu quando leu o restante das cláusulas. O Barão viu quando amigo perdeu o entusiasmo e perguntou o que ocorreu.
- A lista realmente é do dote de Lady Emmaline, porém somente é recebida imediatamente a quantia de vinte mil libras, as propriedades somente são transferidas sob a condição da concepção do primeiro herdeiro homem – James falou desolado. Henry pegou os papéis para analisar.
- Isso ao menos é legal? – perguntou o Barão indignado.
- Com o poder que o Conde de Clifford tem tudo que ele faz é legal.
- Ora, homem, não desanime, para tudo tem uma solução – Henry disse novamente animado.
- Qual Henry? Não vejo como ter as propriedades de minha família de volta.
- Encontre a moça. Corteje-a. Case com ela. Tenha um herdeiro. Voilá. – o Barão terminou triunfante.
- Voilá – James repetiu. Com a semente de ideia se formando em sua cabeça.
(*John "Jack" Broughton, pugilista inglês, foi primeira pessoa a codificar um conjunto de regras a serem usadas, antes disso, as "regras" existentes eram muito pouco definidas e tendiam a variar a cada competição.)
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Cartas para um Visconde | LIVRO 1 | COMPLETO
Ficção HistóricaLivro 1 - Série Laços e Lutas James Weston, o Visconde de St. Davids tem contas a acertar com o Conde de Clifford, e vê a oportunidade perfeita quando encontra a filha do Conde em Londres. James consegue enganar a jovem Emmaline e quando eles são pe...