Debaixo de duas cobertas, pois o ar-condicionado trabalha em potência máxima, ela escuta duas batidinhas na porta. Quem será? Em época de quarentena por conta da pandemia de coronavírus quem se atreveria a bater em sua porta? Além do mais, ela já avisou os mais próximos de que não quer ser incomodada por ninguém. Não quer ver a cara de amigos ou parentes, nem mesmo da sua mãe que vivia a deixar vários recados em seu celular. Será que as pessoas não entendem que ela precisa de um tempo? Certas emoções não são fáceis de serem digeridas. Esse processo pode levar dias, semanas, anos. E para esse tipo de situação, antiácido não resolve. Ainda não criaram um omeprazol emocional. Ela até vinha se automedicando. A garota adepta dos florais saltou para os tarja-pretas. Ela só queria dormir, ou melhor, apagar. Que inveja dos ursos que dormem por meses, desligando-se do mundo exterior. E aquele quarto tornou-se sua caverna particular. Chegava a prender o xixi para evitar sair da cama. Comer? Visitava a cozinha esporadicamente. Nesses últimos quinze dias perdeu corpo. E ela nem estava precisando de dieta. Não se olhava no espelho, mas talvez fosse bom para ver suas olheiras, sua expressão cadavérica e sua falta de autocuidado. Nem se lembra mais de quando foi a última vez que penteou o cabelo. Ainda banhava, mas era mais para tentar relaxar ou se afogar do que por questões de higiene. Ao menos, a água quente do chuveiro dava a sensação de alívio de suas dores. O seu corpo todo doía. E nem era do excesso de cama, de ficar deitada, abraçada com suas lembranças, mas das decepções que teve. O coração partiu e os estilhaços fizeram um enorme estrago. Como pode uma separação doer na carne? Mas, também pudera, foi algo abrupto, que ela jamais esperava. Difícil aceitar o fim, ainda mais um fim irracional. E essa resistência toda dela aos acontecimentos detonava suas células, que entraram nessa pilha de autodestruição. Ela não queria mais viver, mas não tinha coragem de pular da janela do décimo oitavo andar de seu prédio nem de cortar os pulsos. Até cogitou, mas sentia-se fraca demais para isso. Aliás, sentia-se fraca demais para tudo.
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Romance Partido
Romance[10:35, 14/04/2020] Daniel Campos: Você acredita em almas gêmeas? Independentemente da sua resposta, prepare-se para se surpreender com um romance que nem mesmo a maior pandemia do mundo moderno conseguiu colocar um fim. Trata-se da história de Luís...