O mundo não é mais o mesmo depois do coronavírus. Comércios fechados. Lojas saqueadas. Lixos acumulados. Pessoas de máscara pelas ruas, como se fossem personagens de filme trash. Sensação de esvaziamento. Uma solidão que cresce como arranha-céu dentro e fora do meu peito. Nada de buzinas ou engarrafamentos. Poucos carros dão o ar da graça. Nem estou sabendo dirigir em uma rua só para mim. São Paulo parou. E hoje nem é domingo ou feriado. Bares e igrejas fechados. Santos e pecadores estão isolados.
O céu está mais limpo. Até a poluição deu um tempo. Se eu estivesse bem poderia até achar o dia bonito. Mas, não sei se sou eu ou toda essa situação, o sol está com uma fisionomia triste. Seus raios se derramam melancólicos. A melancolia está por toda parte. Muitos choram pelos seus mortos. Muitos choram pelos que ainda vão morrer. Tristeza e apreensão dão as mãos e caminham pelas ruas desertas. Passo pela escola onde estudei e nunca vi esse lugar tão quieto.
Eu sempre fui da turma do canto. Há os nerds que brigam pelas primeiras fileiras e a galera do fundão, da bagunça. Existem ainda o que ficam na ala do meio. E eu era do canto, dos que ficam encostados nas paredes laterais, que se transformam em grandes amigas. Ah, se aquelas paredes falassem eu estaria pedida. Não há nada mais solitário do que uma parede, que está sempre dividindo algo ou alguém. Agora mesmo há uma parede invisível entre mim e Enzo. Uma parede áspera como seu rosto de barba por fazer. Uma parede que me machuca e ao mesmo tempo me absorve.
Eu nunca tive a coragem ou a oportunidade de pichar uma parede ou um muro na minha vida. Talvez porque eu nunca soube ao certo o que escrever. Que mensagem eu deixaria para a posteridade? Sei lá! Nunca fui boa em escrever porque eu sempre tive dificuldade em expressar o que sinto. Quando me despedi de Enzo no aeroporto ele me disse: "lembre-me de nunca mais viajar sozinho, Etzinha, pois lugar algum vale à pena sem você". E eu não disse nada, apenas ri e o beijei. Para mim sempre foi mais fácil beijar do que falar sentimentos.
E agora sou obrigada a beijar uma parede fria,vazia, imensa...
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Romance Partido
Romansa[10:35, 14/04/2020] Daniel Campos: Você acredita em almas gêmeas? Independentemente da sua resposta, prepare-se para se surpreender com um romance que nem mesmo a maior pandemia do mundo moderno conseguiu colocar um fim. Trata-se da história de Luís...