Capítulo 27

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Nada de verruga no nariz, olho de vidro, chapéu pontudo e corvos. Liz é a desconstrução desse estereótipo de bruxa presente em desenhos animados e filmes de Harry Porter. É uma mulher bonita, de trinta anos, que usa um vestido longo e leve, e caminha com os pés na terra. Não é a rainha da simpatia, mas também não é um azedume de pessoa. É muito observadora. A sensação é de que ela vai por meio de seus olhares penetrantes desvendando o que está nos meus sótãos e porões. Se eu não soubesse se tratar de uma bruxa, ficaria cismada, pois ela me olha com gosto.

Sua propriedade fica em Mairiporã, na Serra da Cantareira, a cerca de uma hora de carro da minha casa. Uma área verde muito bonita com vários bichos soltos, inclusive uma série de gatos. Gatos pretos, brancos, cinzas, amarelos, manchados. É uma gataria só, que fica rondando-a como se fossem seus guardiões. Enquanto eu me distraio com um esquilo na galha de uma árvore, Liz e Dara falam entre si. Parecem ter muito a conversar. Deve ser por conta do tal mistério envolvendo as duas. Enfim, nada que me interesse. O que me diz respeito está por vir.

Embora Dara queira participar, Liz nega dizendo ela precisa aprender a respeitar as vontades superiores. Minha amiga fica e eu sigo com a bruxa por aquele fim de tarde. Não entramos na casa principal, nem numa tenda ao lado. Seguimos por uma trilha no meio da mata até chegar a um destino, digamos, interessante.

Aos pés de uma árvore bem grande, um círculo de pedras.

A bruxa fica em pé com mãos espalmadas fazendo uma saudação àquela que ela chama de árvore mãe. Ela que até então falou muito pouco e bem baixinho, imposta seu vozeirão. Fala coisas que não entendo. Língua de bruxa? Em seguida, ela passa as mãos ao redor de mim como que me benzendo, limpando, abençoando.

Vamos as duas para o meio do círculo, sentadas umade frente para a outra. E assim ficamos, com ela me olhando profundamente. Seráque tem algum ritual? Será que vou ter que ficar nua? Nem precisa, ela já medespiu com seus olhos. Nesse silêncio perturbador, vejo os olhos de Liz tãopretos que íris e pupila se confundem. É como se eu olhasse para um poço semfundo. 

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