MIMADO | Hueningkai

Nunca 못

Jang-mi

Ao tocar o interfone da imensa casa, uma moça me pede com uma gentil voz a minha identidade e revelo ser a colega de classe que veio referente ao trabalho com Hueningkai. Com um susto, dou uns passos para trás ao ver o portão se mover automaticamente, e uma moça — acho que a mesma da voz do interfone — me receber, indicando que eu poderia entrar e aguardar na salão.

Sento num sofá ali presente, com um certo medo de fazer algo de errado, já que tudo é muito delicado e com a aparência de valer uma nota. Como pode existir alguém que tenha uma realidade tão diferente assim, e ainda mais que eu conheça? Pensei que só veria essas coisas em séries, mas nunca com meus próprios olhos.

Meus devaneios vão embora ao ouvir os passos dele descendo as escadas, com seus sapatos super barulhentos, como se fosse de propósito, para chamar a minha atenção — e conseguiu.

— Você veio. — Ele olhou para mim com ar pensativo, depois me encarou, sorrindo.

— A gente tinha marcado. — Avisei, sem ar, apoiando as mãos nos joelhos.

— Quer tomar um chá antes de fazer o trabalho? Podemos ir ao jardim, se você quiser.

— Não quero atrapalhar. — comentei.

— Não é incômodo algum, vamos. — Disse ele, com um certo charme ao caminhar.

Chegando lá, fiquei estagnada com a vista. Quando fui naquele lugar à noite, não imaginava que seria o verdadeiro significado de paraíso de dia. Havia várias borboletas, de todas as cores, e uma mesinha no centro cheia de comidinhas simplistas, mas muito bem organizadas.

Kai puxa uma cadeira para mim, a qual eu sento e uma funcionária aparece atrás de mim para servir o chá, o qual eu agradeço pelo seu gesto gentil e o bebo, sentindo o doce gosto.

— Está uma delícia, obrigada pelo convite. — Concordei, pressionando minha bochecha para um sorriso.

— O que te instiga, Jang-mi?

— Você diz sobre o que eu gosto de fazer? — Pergunto, vendo-o assentir. — Gosto de coisas simples, tomar sorvete, ir ao cinema, estudar relações internacionais e pintar em telas.

— Gosta do sabor de pistache? — interrompeu Hueningkai.

— É o meu favorito. — respondi, minha voz aguda de nervosismo.

— Vamos tomar juntos qualquer dia.

Fico hesitante ao responder, mas concordo vagarosamente com ele. Que seja, mal nos conhecemos.

— Gosta de ler clássicos? Shakespeare, Jane Austen... — perguntou, abaixando-se para brincar com o cachorro que surgiu entre suas pernas e sorria em meio à baba.

— Adoro! Já leu "O Rei Lear"? — perguntei.

— Quem nunca? — o garoto dá um sorriso soprado.

— Bom, talvez nem tod- — ele me interrompeu, levantando-se e olhando para o gramado, com as mãos no bolso de sua calça.

— Meus educadores dizem que preciso enriquecer a mente, então eu fui selecionado a ler livros assim. Acho que todos deveriam manter a mente ocupada.

Claro que deveria, quando sua única obrigação é estudar para ser o herdeiro da empresa de seu pai, quando desde que nasceu foi planejado a fazer isso, quando tem o seu dia programado para fazer tais atividades responsáveis, e quando não tem, vai torrar o seu dinheiro com coisas absurdamente caras. A verdade é que Hueningkai nunca precisaria se preocupar com o seu futuro, pois ele já estava ganho.

Quando subimos para seu quarto, ele estende a mão para pegar livros e os espalha pela cama, ligando em seguida o seu notebook e pondo a nossa frente. O quarto de Hueningkai é imenso, onde caberia o três quartos da minha casa. Percebi que ele tinha muito ciúme nos seus livros, então não me atrevi a trocá-los sem sua permissão.

— Bom, de acordo com minhas pesquisas e da teoria da personalidade desenvolvida por Freud, nosso fundador da psicanálise, a psique humana é formada por três instâncias. — disse, usando a caneta para escrever os pontos principais no caderno. — O ego, o superego e o id, existindo uma diferenciação entre essas três instâncias.

— Começaremos então pelo id.

— Ele é o componente nato dos indivíduos, ou seja, as pessoas nascem com ele. — falei, me levantando em um salto, e enquanto falava, andava pelo quarto de Kai. — Consiste nos desejos, vontades e pulsões mais primitivas dos seres humanos, representa o inconsciente, o impulsivo.

— É a partir do id que se desenvolve as outras partes que compõem a personalidade humana, como o ego e o superego? — pergunta, me cutucando com o cotovelo, quando me aproximo para ver sua linha de raciocínio escrita.

— Sim. O ego surge a partir da interação do ser humano com a realidade, até com seus instintos primitivos ao ambiente em que vive. — acrescento.

— Então, basicamente, o ego é a soma do id com o ambiente em que está inserido. — Hueningkai passa o braço à minha volta sem perceber, e quando nota, me encara por longos segundos e depois se separa.

Ai.
Ai, ai, ai.

— O ego procura regular os impulsos do id, e é graças a ele que a pessoa consegue manter a sanidade da sua personalidade. Já o superego se desenvolve a partir do ego, e representa os valores morais e culturais do indivíduo. O superego atua como um "conselheiro" para o ego, isto porque o alerta sobre o que é ou não moralmente aceito. — O suor frio surgiu no meu rosto por um instante, mas eu disfarço, mechando no meu cabelo entusiasticamente.

— Bom, está tudo anotado. Acho que já finalizamos. — falou, sorrindo para mim.

Desbloqueio o celular, vendo que já eram 19:26. Mas já? Por que tão tarde?

— Tenho que ir, meu pai não me deixa voltar para casa tarde. O tempo passou rapidinho, né? — digo, pondo minha bolsa sobre o ombro.

— Posso pedir ao meu motorista para deixar você em casa.

— Não seria muito incômodo? — pergunto, tímida.

— De jeito nenhum, jamais deixaria você voltar sozinha a esse horário. — diz ele, ligando para seu motorista, que não demorou muito a atender o seu chamado.

Daquela vez, eu aceitei sua gentileza. Com sorte, não passaria muito tempo com ele após apresentar o trabalho. Hueningkai seria um problema para mim. Eu podia sentir isso no fundo da alma.