Mutualidade

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Uma das coisas mais importantes em um relacionamento é a cumplicidade e o companheirismo. Vovó foi minha parceira por anos e anos após a morte dos meus pais. Ela ocupou um cargo importante e eu acredito que o tenha feito muito bem. Úrsula substituiu a posição dela depois que mudei para a Itália. Ainda me lembro de como havia chegado no primeiro dia de aula, todo magrinho e tímido, com um mundo todo para desbravar, e ela desbravou comigo.

Taehyung foi o próximo a se demonstrar como meu companheiro. Isso era uma das coisas que mais havia crescido nos dois anos que passamos juntos. Dividir um apartamento podia ser complicado e difícil, algumas vezes torturante, mas graças a esse mesmo companheirismo, estávamos nos saindo perfeitamente bem. Afinal de contas, não era tão difícil assim lidar com o Tae.

Não era mesmo difícil acordar de madrugada para escutar sobre seus pesadelos, ou fazer companhia à ele enquanto escrevia mais um capítulo de seu livro. Não era difícil chegar exausto do trabalho, e mesmo assim, deitar nas coxas dele e lhe fazer uma massagem, pois Taehyung tinha um problema sério na coluna chamado sedentarismo. Era fácil para mim fazer nosso jantar e depois deitar no sofá com ele para ficarmos quietinhos assistindo algo, ou apenas aproveitando o silêncio.

Acima de tudo, Taehyung sabia quando deveria me escutar, quando deveria brigar e quando era o momento certo para apenas me abraçar e deixar minhas lágrimas caírem.

Era bom e era fácil deixar ele ocupar o lugar de parceiro na minha vida. Porque era isso que éramos desde o começo.

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O primeiro dia de outono após me mudar para o apartamento de Taehyung foi assustador. Aquele dia em especial era difícil para mim.

Quando acordei, não o encontrei deitado ao meu lado como de costume. No lugar, havia recebido uma mensagem dizendo que tinha entrado mais cedo no trabalho mas que tinha café em cima da mesa.

Como todo dia 12 de setembro, eu me levantei, escovei os dentes, tomei um banho - chorei um pouco no chuveiro - comi um pão com café, peguei o metrô, trabalhei, ignorei as ligações da minha vó, saí do trabalho, comprei dois minis balões de ar quente e fui para o rio no centro da cidade.

Era o meu ritual há dois anos.

Talvez Taehyung não tivesse se lembrado, mas tudo bem, não é como se ele precisasse estar comigo naquele dia.

Era apenas um dia 12 como qualquer outro. O primeiro dia de outono. O dia em que meus pais morreram.

O rio aquele dia não estava muito cheio. Possivelmente por conta do horário e do frio que fazia. Eu estava acendendo o primeiro balão quando senti meu celular vibrar no bolso.

Tae

>Quer que eu leve pizza pra janta hoje?

Eu

>Pode ser.

>Vou chegar um pouco mais tarde hoje.

Enviado às 20:25pm.

Tae

>Muito serviço?

Suspirei sentindo os olhos arderem. Também não era minha culpa. Dias 12 de setembro eram dias difícieis para mim.

Eu

>É sim Tae...

>Muito serviço.

Enviado às 20:27pm.

Guardei o celular na calça sem esperar por uma resposta. Voltei a acender o primeiro balão, utilizando meu velho isqueiro, quando ouvi passos ao meu lado. Olhei rapidamente e pude sentir minha pressão baixar e uma súbita vontade de chorar ao fitar Taehyung caminhando em minha direção.

Ele carregava um moletom na mão direita e um café expresso na outra. Seu nariz estava todo vermelhinho por conta do frio, mas mesmo assim, ele estava ali.

- Como você sabia? – perguntei em um sussurro quando ele chegou próximo o suficiente de mim.

Taehyung deixou o café em cima do muro que nos separava do rio, e me ajudou a vestir o outro moletom para que eu ficasse mais quentinho.

- O outono chegou bebê, você precisa se agasalhar melhor – ele juntou minhas mãos, ignorando completamente minha pergunta, e assoprou o ar quente nelas.

- Taehyung... Você lembrou?

- É claro que eu lembrei Ggukie – ele sorriu pequeno e eu senti um alívio no peito. – Eu nunca me esqueceria que dia é hoje... Mas, por que mentiu no celular?

- Por que você mentiu?

- Eu estava te testando – deu de ombros e eu suspirei.

- Desculpa.

- Jeongguk – Taehyung segurou minha mão e usou a outra para acariciar o meu queixo. – Eu sou seu namorado, melhor amigo, te conheço melhor do que ninguém... E – suspirou. – Eu sempre vou estar aqui por você.

E era tudo o que eu precisava. Que Taehyung estivesse ali do meu lado, em todos os momentos. E ele ficou.

Ajudou-me a acender a outra vela. Soltou-a comigo. Me abraçou quando eu deixei lágrimas solitárias escaparem pelos meus olhos, e continuou me abraçando quando eu não consegui parar de chorar. Ele não disse nada, só ficou ali me abraçando enquanto olhávamos os balões flutuarem pelo céu. Naquele dia eu finalmente percebi que teria um apoio para todos os momentos. Seja para jogar videogame, conversar ou chorar comigo... Taehyung estaria ali e isso era mais do que suficiente.

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