CAPÍTULO IV

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Antes

Jorie Pinheiro

Como todos os outros dias, acordei e me arrumei para ir ao colégio. Meu pai não poderia me proteger de tudo, então é hora de sair do estado paralítico, de tomar uma decisão. Vivemos querendo que os outros nos respeite, porém não respeitamos a nós mesmos. Dizemos, hoje amanhã vou começar uma dieta. Mas o Eu de amanhã não quer a dieta e por ele decido desrespeitar o desejo do meu EU de ontem, e assim fazemos em diversos assuntos... nossa constante mudança de opinião cega e paralisa os nossos planos.

Desci da escada rapidamente, meu pai estava tomando café enquanto o liquidificador batia e minha mãe debruçada na pia fazendo algo que eu não conseguia ver.

Assim que entrei na sala ele perguntou:

_Está mais tranquila?

Afirmei com a cabeça.

_Não é melhor ficar em casa hoje? - Minha mãe disse ainda de costas. - Só para relaxar e se lembrar coisas boas sobre si mesma. Podemos fazer alguma coisa juntas se quiser.

_Eu adoraria passar o meu dia com você mãe, mas acho melhor não. Se eu confio em mim mesma e no meu potencial, não posso deixar o que eles fazem me afetar.

Minha mãe que já havia começado a fritar os ovos parou e meu pai imediatamente largou os copos da vitamina que estava levando para a mesa em cima do balcão. Seu abraço me pegou desprevenida, mas logo retribui, o abraçando ainda mais forte.

_Estou tão orgulhoso de você Jor! - Declarou no meu ouvido.

_Ou pelo menos não posso demonstrar isso, já que a primeira alternativa eu faço escancaradamente.

_Mas não pode deixar que eles falem sem ouvir, não os deixem te humilhar. Sua cor faz parte de quem você é. Seu cabelo complementa a preciosidade que é ser quem somos.

_ khatwat wahidat fi kl mara. - Disse em árabe.

_Um passo de cada vez. - Repeti a tradução para mim mesma.

Cheguei no colégio e tudo estava normal: tedioso e estressante.

É incrível como um punhado de pessoas da minha faixa etária me estressam. Me fazem parecer uma velha resmungona. Depois de entrar na sala e estar copiando o quadro alguém soltou mais uma piada sobre como o meu cabelo parecia ainda mais duro que no dia anterior.

_Quem desdenha quer ter, Michel. - Soltei com sarcasmo, embora meus olhos estivessem cheios de água. Sorte a minha cabeça estar abaixada. Pelo menos a piada serviu e não me encheram o saco o resto da aula. Ela sempre serve.

Ao sair da sala vi Rute falando mais uma vez sobre o seu Deus e como ele era grandioso. Seu jeans surrado estava um pouco colado no corpo, porém abaixo dos joelhos. Os cabelos presos num rabo de cavalo bagunçado mostravam que não tivera tempo de arrumar antes de sair de casa. Ou qualquer lugar onde ela prendeu o cabelo.

Falar comigo mesma tem sido a única opção de conversa saudável que eu tenho desde que comecei a estudar no colégio, mas quando ela se aproximou de mim e tentou puxar um assunto eu dei corda até colocá-la contra a parede e perguntar:

_Por que esse Deus que vocês acreditam existir me fez assim?

Seu rosto ficou pálido e suas pupilas dilatadas. A soltei e segui o meu caminho rapidamente. Eu não deveria ter feito aquilo. Não deveria. Só que as vezes -só as vezes- tenho raiva de ser como eu, porque ninguém quer ficar perto de mim! 

Como As Estrelas Morrem: A Caixa De PandoraOnde histórias criam vida. Descubra agora