CAPÍTULO XXVI

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Dias Atuais
Kate Moraes

Fiquei imóvel por dois dias.
Como viver normalmente com o peço nas costas de que Kaíque não conseguia me perdoar? Era de Kaíque García que estávamos falando, o garoto mais meigo e dócil do bairro, que vive falando no grupo de apoio sobre perdoar a quem te faz mal e perdoar a si mesmo por não compreender coisas que hoje compreende, por não poder ter feito diferente.
Eu adiei ir vê-lo com receio de dizer a verdade que sufoquei comigo por medo de perdê-lo, e ao chegar lá não só disse tudo, como também o perdi... e dessa vez pode ter sido para sempre.
Eu sou tão péssima, que nem ele é capaz de me perdoar.
Minha mãe dizia que Kaíque era o tipo de pessoa que ficaria ao meu lado para sempre... Gostaria de dizê-la que ela estava errada mais uma vez, seguido é óbvio de um sorriso sarcástico.
Mas eu não conseguia dar o sorriso sarcástico, por isso decidi não dizer. Porque essa era a única vez na vida que eu sentira jogar no lixo algo que era meu por opção.
Eu ainda posso mudar isso. Marjorie está sem a memória, mas Kaíque não, ele pode mudar de ideia com o tempo.
Foi ver a dona Elisangela na porta entreaberta que me motivou a estar aonde estou agora: ela dorme com o inimigo toda a noite, sem nem ter noção disso, muito menos sobre as perspectivas de como sair dela. Toda a sua vida ao lado dele é uma farsa e nada do que eu disser pode fazê-la acreditar em quem ele de fato é.
— Pensava que você iria ficar dentro do quarto para sempre.
Ele disse, assim que eu entrei no cômodo coberto de móveis de mogno. No nosso último encontro, ele me dera um celular, com o código de início escrito no esparadrapo colado atrás do mesmo. Quando eu quisesse começar era só enviar o código e uma hora depois estar na cidade vizinha, onde um carro foi iria me buscar e levar ao seu encontro com mais descrição. Se eu não estivesse lá, ou não acionasse o código em oito dias a partir daquele, o nosso contato se encerrava no mesmo prazo.
— Pensei também em perguntar como você sabe disso, mas pelo pouco que te conheço sei que não vai dizer. Ele me olhou sem nenhuma expressão e por um breve período de tempo me perguntei o que aquele olhar queria dizer e como a vida o fez ficar assim, inexpressivo.
— Touche.
— Então, podemos logo ir para o que interessa?
— Ela já está na sua frente.
— Oi? — Perguntei, e ele apontou para uma pilha de livros depositados acima da mesa.
Fui até a mesa e comecei a ver um por um. O sangue subiu à minha cabeça e numa explosão de fúria, virei em um ângulo de cento e oitenta graus, jogando o livro em sua direção. Este, voou em linha reta e passou dois centímetros acima de sua cabeça, fazendo com que pequenos fios grisalhos levantassem e voltassem para o lugar.
Seu corpo virou em minha direção e ao me olhar ele teve uma crise de riso.
— Foi por pouco, bem pouco mesmo — disse, entre uma risada e outra.  — Você é realmente a filha do seu pai. — Seu olhar se cruzou com o meu e pela primeira vez, eu vi alguma emoção neles.
Gostaria de saber o que aquilo significava, mas mais uma vez ele não iria dizer.
— Precisa trabalhar mais a sua paciência. Acha que a Fred-ônix sempre foi o que é? Sempre fez o que fez?
— E por isso eu tenho que ler até morrer?
Ele abaixou e pegou o livro do chão, ignorando a minha pergunta.
— Ah — emitiu, com o semblante levemente surpreso—, culinária! Eu amo culinária. Tem uma receita, não sei se é nesse volume — disse e começou a folear as páginas —, de arenque sob casaco de pele magníssima, é ainda mais ótima companhia quando acompanhada com a vodca belvedere. Você iria adorar! Não da vodca, é claro.
— Claro — afirmei, tentando não ter outra explosão.
— Não é sobre ler, é sobre se manter focada. Esqueça os outros e tudo que está a sua volta. Esqueça isso também — apontou para os livros ou para o ambiente, não sei ao certo.
Uma senhora de idade apareceu na porta e perguntou:
— Ela fracassou?
— Exatamente — ele disse rindo, se referindo ao meu ataque anterior —, exatamente!

Como As Estrelas Morrem: A Caixa De PandoraOnde histórias criam vida. Descubra agora