04 | they're my real family

3.9K 411 31
                                    

N A R I

Dezembro, 25.

Hoje é um dia especial para muitas pessoas e talvez, mal sabem disso. O Natal torna possível a reunião de familiares e amigos, cria-se um momento festejar e ter boas recordações enquanto são tiradas fotos abrindo os presentes debaixo da árvore.

Mas eu nunca tive isso com minha.. família de sangue. Então sinto muito a falta de algo que eu nem ao menos vivi.

Desde que nasci meu meio familiar é totalmente desregulado, bom.. era. Porque muitas coisas mudaram desde que minha mãe sumiu. Já faz oito anos.

Oito anos sem notícias da mulher que me colocou no mundo e que me deu tanto amor quando pequenininha.

Eu nunca consegui entender por que ela foi embora. Por qual motivo ela me deixou.

Mas aos poucos, com o decorrer dos anos, eu me conformei em aceitar. Porque a saudade é maior que a mágoa, a saudade dela é inevitavelmente maior que qualquer outro sentimento ruim.

Meu pai me culpa por nossa família sempre ter sido desestruturada. Culpava a minha mãe também, mas a culpa jamais foi dela. Visto que ela precisou deixar a faculdade dos sonhos para ter sua gestação.

E meu pai dizia que ela apenas me teve para prendê-lo e conseguir dessa forma, seu dinheiro. Não sei quantas vezes acabei a encontrando em um choro profundo no banheiro. Ela não conseguia dizer uma palavra, seus soluços eram mais fortes. E eu era pequena, não entendia.

Mas ficava sentadinha ao seu lado esperando o momento que ela levantasse a cabeça, tendo apenas os olhos e o nariz vermelhos, sem mais nenhuma lágrima.

Hoje, eu só queria ter conseguido ajudá-la mais. Eu só queria ter entendido.

E como uma criança cheia de sonhos, eu esperava por um momento feliz em família, eu tinha expectativas. Só que com o tempo, aprendi a lidar. De forma dolorosa, mas aprendi. Aprendi ao vê-las sendo quebradas bem diante dos meus olhos todas as vezes.

Não muito tempo depois, conheci Tia Yooheon. Primeiramente como babá. Porque minha mãe tinha um coração bom, eu tenho certeza disso, mas ela não conseguia ficar mais comigo como antes, ela entrava em desespero. Em crise.

Por isso, Yooheon se tornou minha segunda mãe. Ela cuidava de mim todos os dias. Cuida até hoje.

Meus pais me deixavam na cafeteria quase sempre depois da escola, até pagavam Tia Yoo para ficar comigo a tarde inteira. Mas pouco tempo depois, ela parou de aceitar o dinheiro.

Coffeland é praticamente a minha casa, vou lá desde os nove anos de idade.

E assim como conheci Tia Yoo, conheci Minju. Somos amigas desde o primeiro contato, desde que ela me viu triste comendo um pedacinho de bolo e me chamou para brincar.

E com elas, todas as minhas expectativas foram sendo reconstruídas.

Às vezes, Minju e eu brincamos que somos a real definição de 'irmãs de mães diferentes'. Ter ela ao meu lado por todos esses anos me ajudou tanto. Me salvou tanto.

Nós conversamos sobre tudo e qualquer coisa. Nossa intimidade é tão grande que até nós nos surpreendemos por conversar sobre certos assuntos com uma facilidade absurda.

Geralmente sinto pena de Minju por ter que aturar todos os dias eu tagarelando em seus ouvidos, mas no fundo ela gosta de me ter por perto.

- Me larga, carrapato! — Fui tirada de meus pensamentos quando minha amiga reclamou, me empurrando do sofá.

- Sua insensível, eu tava pensando na nossa amizade! — murmurei, após minha caída dramática no chão.

- Mas não precisa grudar desse jeito, quero meu espaço pessoal! — disse, fingindo medir nossa distância.

- Desde quando você tem espaço pessoal? — questionei, levantando uma das sobrancelhas.

- Desde que você virou um carrapato carente! — respondeu na cara dura.

- Vou te dar um tapão, fica esperta! — brinquei.

- Vem, então. Pode vir! — posicionou as mãos, assim como fazem ao início de uma luta. E sem pensar duas vezes, pulei em cima dela, que gargalhou, finalmente deixando que sua pose de durona chegasse ao fim juntamente com nossa briga digna de um MMA e deixou que eu deitasse a cabeça em seu colo.

- Você tá bem mesmo? — perguntou, falhando em não soar preocupada.

- Eu sempre fico assim nessas datas, é normal.. — respondi olhando para frente, brincando com meus dedos.

- Vou falar sério agora.. — a olhei — Sabe, existe um lado bom em lembrar do passado, das boas memórias.. mas você, Nari.. você fica remoendo constantemente suas tristezas.. — comentou, séria, mas ainda revelando um pouco de tristeza.

- Eu não consigo parar, Minju.. eu não consigo simplesmente esquecer, eu queria. Mas não consigo.. — coloquei as mãos nos olhos, frustrada.

- Quer conversar sobre? — ela perguntou, afastando os dedos que escondiam meus olhos.

- Não.. — respondi fraquinho — Você já sabe de tudo, sempre a mesma coisa.

- Natal te trouxe saudade, não é? — perguntou de novo e com a voz calma.

- Até mais que isso.. — soltei um riso forçado e suspirei pesadamente — Mas já já passa.. — e antes que ela pudesse perguntar outra coisa eu coloquei um biscoito na sua boca, uma tentativa de quebrar esse clima ruim que se instalou — Já pode parar de bancar minha psicóloga, que depois você vai querer me cobrar pela consulta. E eu não tenho dinheiro!

- Mas falta pouco pra eu terminar a faculdade! Só estou exercendo minha profissão, poxa! — começou a rir vendo que quando mordeu o doce, caiu um pedaço em mim.

- Mas eu sou sua amiga! — reclamei, virando rapidamente para o lado, tentando evitar que migalhas entrassem em meus olhos, as jogando no chão.

- Por ser minha amiga, te dou um desconto de cinco reais.. — me empurrou, fazendo com que eu caísse.. de novo.

- Olha a sujeira que vocês fizeram.. — Tia Yooheon apareceu na sala, com as mãos na cintura. E nos assustamos, mas logo caindo na gargalhada.

- Mas tia.. a Minju queria que eu pagasse por uma consulta que eu nem pedi! — acusei.

- Mãe, a Nari tava parecendo um carrapato carente! — acusou de volta.

- Vocês são doidas! — disse balançando negativamente a cabeça, soltando um riso — Minju, você ainda nem se formou e quer cobrar uma consulta? — entrou na brincadeira.

- O que? — fez uma cara inconformada — É assim que se vive nesse mundo capitalista!

- Então da um descontinho! — fez um sinal com os dedos, usando o polegar e o indicador.

- Já dei, cinco reais!

- Ah, é assim? Eu vou pegar esses cinco reais e.. — bom, sem surpresa nenhuma, fui interrompida por um berro.

- Chega! — disse balançando as mãos no ar — Se arrumem, logo que temos que ir! — se virou, indo em direção a cozinha, quando soltou mais um berro — Hoje quem decora os biscoitos é a Nari!

- Mas eu que queria! — Minju reclamou de novo. Mas não se aguentando em soltar um riso.

E bom, esse está sendo o início de mais um bom natal ao lado de minha família. Ao lado das pessoas que estão permitindo a realização de minhas expectativas reconstruídas.

365 DIAS - KNJOnde histórias criam vida. Descubra agora