"Olhos fechados e pés no chão, isso é tão fatal"
Você já sentiu alguma dor ao ponto de não conseguir sequer respirar? Uma dor imensa, que se inicia em meio a boca do seu estômago e percorre pelo corpo todo lhe fazendo delirar. Como se uma parte de você fosse arrancada. Foi assim que eu me senti naquela manhã, naquela rua fria, a qual apenas uma blusa fina me cobria, enquanto eu vagava cegamente. Eu não conseguia chorar, era como se estivesse em um paradoxo, e a dor se repetisse várias, várias, e várias vezes. Eu estava fora de mim, e se eu partisse naquela altura da minha vida seria um alívio, mas, ainda não era minha hora. Eu acho que não, pois se não aquela única e sensata tentativa enquanto eu enfiei na frente daquele caminhão de Oito rodas havia resolvido. Mas por obra e superioridade a qual o destino se mostrava comigo, ele desviou com facilidade. Eu me senti um pouco mais inútil, sem conseguir no mínimo um suicídio?. Ah, quanta burocracia para morrer. Eu, tão sem graça, poderia ir de boa, mas ele, por quê ele? Eu nunca iria entender, eu jamais iria aceitar.
Flashes era o que minha percepção capitava, aos poucos aquela sensação fria havia subido entre minha espinha. Lentamente, eu abria os olhos e percebia que havia voltado para aquele maldito quarto de hospital. Eu estava fodidamente fodido, se encarregando de deixar um trauma pelo restante da minha vida, mais um para a coleção. Alguém sorrateiramente abriu a porta, minha percepção ainda estava embaralhada, mas pelo perfume quase nulo, era o Doutor.
- Miguel, Como você se sente?
Não respondi, não havia motivos para aquela pergunta patética.
- Respeito o seu silêncio, Miguel. Mas não posso admitir que repita esse ato. Está sendo egoísta com as pessoas que se preocupam com você.
Ah, mas é claro. A culpa é sempre minha. Continuei fielmente ao meu silêncio.
- Tudo bem se não quiser falar. Espero que esteja bem, irei solicitar algo para você comer, e eu espero que coma, está fraco.
Comer em uma hora daquelas, aliás, eu nem sabia a hora. Meus pertences haviam sumido e eu mal havia força para me mexer. Naquela altura, eu juro de dedinho que eu não sei o que é pior. Não saber de absolutamente nada, ou ser o "nada". Eu estou perdendo minha sanidade, a minha base havia se esvaiado para outra dimensão, e o que eu posso fazer?. Aguentar firme, passar por aquilo de novo? Só que agora em versão duplicada. Os meus devaneios foram cortados quando uma moça entrou na sala com uma bandeja, eu sequer prestei atenção. Apesar de não querer comer, eu tinha que me recuperar. Para finalmente sair dali, tomar as rédeas. O hospital estava me abrigando mais que qualquer lugar. Tedioso seria uma palavra simples para definir este lugar. A energia tão pesada de despedida, dor, sofrimento e ao mesmo tempo, esperança, se unem para me enjoar um pouco mais. Não existia nenhuma palavra para descrever o que eu sentia naquele momento. A deriva em um mar, talvez isso explicasse minimamente minha situação atual. Eu sequer sabia que dia era, me sentia enojado por tudo. Comi vagarosamente, depois que acabei, encostei no travesseiro e fechei os olhos, mas novamente o sono me roubou, que cansaço era aquele?. Quando voltei a mim, já havia escurecido. Acordei com o Doutor olhando-me, o que me deixou um pouco arrepiado.
- Como você se sente agora, Miguel?.
- Bem.
O doutor respirou em um tom de alívio.
- Por sorte te achamos rápido. Você está começando a se desidratar. Miguel, precisamos falar. Agora, como dois adultos.
Respirei fundo e dei toda minha atenção para o mesmo o lançando um olhar interrogativo.
- Após esse ocorrido, eu sei como deve estar se sentindo. Por isso já marquei consultas para você em uma clínica. É para o seu bem.
- Clínica? Então vou ser internado como um louco?.
- Está longe disto. É só uma ajuda, Miguel. Se você continuar nesse Estado, poderá perder sua própria guarda e ter um tutor.
- Ah doutor, não me faça rir!
Ele suspirou, e eu vi a decepção no fundo dos seus olhos.
- E sobre o funeral, foi adiado por conta do seu sumiço. Irá acontecer amanhã logo cedo, se quiser ir...
Eu senti que ele não queria falar disto, mas estranhamente eu estava bem o suficiente para conversar sobre o assunto.
- Okay.
O doutor estava tão apreensivo, eu nunca o vi assim antes. O que estava acontecendo? Será que era estresse acumulado ou... Talvez, preocupação. Comigo? Não, não pode ser. Coloquei essa ideia maluca bem no fundo do meu sub-consciente. Havia tanto para pensar, tanto para fazer, mas, eu não sabia nem por onde começar. Em um mar de desventuras era minha situação atual,a dor da saudade já se mostrava presente, e agora que de fato eu estava caindo na real. O que eu ia ser sem o Luke ? Não havia planejado essa parte da minha vida,o meu amor havia desaparecido, como se nunca tivesse existido, isso não era justo, e eu nunca irei de fato aceitar. Eu estaria muito bravo agora se ele estivesse aqui por ter guardado essa mentira a tanto tempo. Em meio as minhas alucinações, estava cada vez mais me afastando da realidade, ela nunca se mostrou tão horrível para mim, e os anos ao lado da minha tia havia se arquivado na gaveta de "Decepções menores" fazendo das atuais as "piores da minha vida". E elas de fato seriam. Espero que seja a última vez que eu venha para este lugar, me dá arrepios. Ao fim do dia, Doutor Richard voltou ao meu quarto, e aparentemente mais calmo.
- Miguel, eu já posso te liberar. Mas não acho melhor você ir para a casa da Dona Tina hoje.
Fiquei um pouco espantado.
- Mas por quê não?
Ele respirou fundo e prosseguiu calmamente olhando para mim, no fundo eu tinha um pouco de vergonha daquele homem. O por que? Eu não fazia ideia.
- Apesar de estar esperando. Dona tina não está muito bem, então eu não acho muito saudável para ambos dividir o mesmo espaço agora. A dor do luto é algo difícil de lidar, vocês poderiam ficar sobrecarregados demais.
É, fazia sentido. Só assenti com a cabeça e nem por um momento passou algo lúcido para mim falar, então, segui com a boca fechada.
- Se quiser ficar lá em casa, será muito bem vindo. Mas posso pagar um hotel para você também. Fica ao seu critério.
Claro que eu não iria aceitar que o mesmo gastasse comigo. Mas, eu também não queria ir para a casa dele. Para ficar sozinho nessa altura do campeonato, eu tinha que ter sacrifícios.
- Tudo bem. Eu aceito, mas com uma condição...
Vi que um mini sorriso se abriu nós lábios do mesmo.
- Não quero que ninguém saiba que eu vá para lá.
Ele me olhou espantado. Mas assentiu com a cabeça. Por quê eu não queria que ninguém soubesse que eu fosse para a casa dele?. Era óbvio que o Luke morria de ciúmes do doutor, e que tipo de garoto vai para casa de uma pessoa que seu falecido namorado detestava. Manter as aparências era necessário as vezes. Tia Rita me ensinou muito bem. Ao fim do expediente, o doutor me levou uma roupa, não coube muito bem em mim, ficando larga.
- É do meu irmão mais novo a qual estava lá em casa. Eu deveria comprar novas, mas não me sobra muito tempo. Mas acho que dá para você sair daqui decentemente.
- Doutor!
- Poxa Miguel, me chame de Richard, por favor!
Fiquei meio sem graça.
- Desculpe-me Richard. É que... Não quero que gaste comigo, por favor!.
Ele revirou os olhos e me olhou com cara de criança birrenta. Era a primeira vez que eu via o doutor em sua personalidade "normal". Um médico é sempre um profissional quase nulo em questões de relações com seus pacientes. E o doutor fazia jus a sua reputação. Já era noite, e ele me guiou até saída do hospital. O mesmo ainda estava de jaleco, e eu com uma calça e blusa moletom. Com a touca sobre minha cabeça, eu andava cabis-baixa evitando de olhar para minha volta. Eu não aguentava a energia daquele lugar, era tudo tão gritante. Quando finalmente saímos, senti um vento frio soar em meu rosto, meus pelos se arrepiaram.
- Esfriou um tanto aqui fora. Você está bem, Miguel?.
Assenti com a cabeça e prosseguirmos. O carro dele não estava muito longe. Ainda bem, pois andar estava soando tão cansativo para mim.
- Aperte os cintos, e vamos lá!. Pode me responder algumas perguntas, Miguel?!
Estranhei mas o respondi, o doutor estava sendo muito bom para mim. Ele não tinha culpa, aquele era o meu destino, são os resultados das minhas escolhas. Agora era aguentar.
- Você está se sentindo confortável em ir para minha casa ? Quero que seja sincero.
Desci a touca e me deitei na poltrona olhando pela janela. Estava um pouco embaçada por conta do frio no exterior.
- Pra ser sincero. Não muito, mas não quero ficar sozinho em um quarto de hotel.
- É, deu para sentir. Você está tão apreensivo. Te entendo.
Me virei e olhei para o mesmo.
- Você está sendo muito bom para mim doutor. De verdade.
- Só estou cumprindo o meu dever, e você é diferente de todo mundo que já conheci, Miguel.
Estranhei.
- Diferente?.
Ele sorriu.
- Sim, você é tão único. Seu eu é tão espontâneo, a sua bravura e discernimento é de dar inveja em muitos. Parabéns, você me surpreendeu desde o primeiro dia em que te vi. E poucas pessoas tem esse poder de me surpreender.
Fiquei sem o que dizer, aliás, não tinha resposta para aquilo. O doutor sempre esteve me analisando, que estranho. Não demoramos muito para chegar até sua casa, um muro grande a cobria, despertando minha de imediato minha curiosidade.*Honeys, como é bom estar de volta. E vamos lá para mais uma obra.*
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Dias Chuvosos (Depois de você) - Parte ||
RomancePrólogo. Naquela manhã o ar era gélido, a rua estava deserta. O vento forte anunciava uma forte chuva, fazendo estremecer meu corpo. Aquela dor rasgava no âmago do mais implacável tormento. Sentia suas carícias, seu calor, seu desejo... Mas não ha...