Gilbert

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Eu estava chocado.

Eu estava tão abismado que não era nem capaz de responder.

- Professor Blythe? - Ela pergunta novamente e eu tenho que piscar duas vezes para conseguir focar no que estava acontecendo - Seria apenas um semestre e se os alunos acabarem se interessando pelo conteúdo, eles podem, eventualmente, te procurar para uma orientação do trabalho de conclusão de curso.

Eu respiro fundo, repetindo a mim mesmo para manter a calma, eu consigo.

- Não faz sentido, reitora Hall. Desculpe dizer, mas ensinar linguística comportamental em um curso de licenciatura não tem cabimento! Os alunos não vão conseguir nem utilizar o que será ensinado. Se fosse em um curso de Psicologia, até seria compreensível dar uma nova matéria como essa, mas em Letras?! - Eu termino apenas negando com um gesto para enfatizar o meu argumento.

Vejo a mulher de meia idade respirar fundo novamente. É a quinta vez pelos meus cálculos, já estávamos naquela reunião a pelo menos uma hora, nesse vai e vem dela tentar me convencer a dar uma nova matéria para os veteranos no último período de Letras.

A verdade é que não tinha sentido algum, nem mesmo se eu olhasse por outra perspectiva. Além do mais, alunos de último período querem apenas se livrar logo das matérias finais, fazer a banca e cair fora, nenhum deles está verdadeiramente interessados em estudar algo novo. Eu conseguiria no máximo três alunos, aqueles mais precários que precisam de horas complementares urgentes e nem prestariam atenção no que eu tenho a dizer.

Desperdício do meu tempo e de recursos que eles poderiam usar para dar aos calouros algo novo e eletrizante.

Eu não via sentido, já reitora Hall, uma mulher de uns 45 anos de idade, com cabelos grisalhos que passa maquiagem demais na cara para disfarçar as rugas e vive com um terninho xadrez, acredita firmemente que essa matéria pode ajudar os estudantes a crescerem mais como profissionais: "ler seus alunos" ela disse, "dar uma aula sabendo qual será o comportamento deles antes mesmo de entrar em sala. Vai inovar o jeito que damos aula hoje!"
Bobagem! Pura bobagem de quem não entende nada sobre linguagem comportamental. Ela vai muito além do que Cal Lightman ou Patrick Jane fazem parecer, não é simplesmente encarar as pessoas e pronto, já te analisei e sei quando está mentindo e quando não está.

Essa área da linguística é baseada no todo não falado pelas pessoas: seus gestos, suas expressões, suas posições, como ela atua, o que veste, a forma de andar e por aí vai... Para se ter uma noção, leva pelo menos um mês para conseguir se analisar um objeto de pesquisa, eu, por exemplo, levei três anos e meio para analisar como que a personagem principal de O Mentalista conseguia ler as pessoas tão facilmente como fazia.

É tudo baseado em livro e em estudos acadêmicos, chegamos até a usar o FACS e a Tomografia Computadorizada pelo amor de Deus!
Isso com certeza não é baseado em um conhecimento de mundo e experiência em sala de aula. Um professor sabe quando um aluno está mentindo porque é rotineiro, vive aquela mesma realidade todos os dias dos 360 dias do ano até se aposentar ou decidir que quer trabalhar em outro serviço.

Era diferente e principalmente sem uso lógico.

- Já temos a aprovação do Ministério da Educação, Blythe. Só precisamos de um profissional a altura - Ela tenta.

- Existe professores muito experientes que adorariam essa vaga, reitora Hall - Digo pela décima vez, esgotado - Eu nem sequer tenho a experiência para isso, nunca entrei em uma sala de aula antes.

- É uma ótima oportunidade, então! - Ela exclamou animada, eu procuro não revirar os olhos. Oh. Meu. Deus - Escute, Blythe. Tanto eu quanto você sabemos que mesmo jovem, você é o melhor acadêmico de linguística corporal que temos hoje em dia. Estou te oferecendo uma experiência única aqui e vamos te pagar muito bem para isso, você pode até mesmo começar um mestrado com esse salário! - Ela batuca o dedo em cima do papel em minha frente com o tanto de dinheiro oferecido.

Dinheiro e bajulação, eficaz. Principalmente a parte do dinheiro, Josie, minha colega de quarto, iria amar ter seu apartamento de volta, a liberdade de poder levar Jane a qualquer hora sem se preocupar comigo ou com meus ouvidos.

Aliás, eu mesmo agradeceria bastante, conseguir ter meu próprio espaço novamente.

- Eu não sei... - Começo, mas ela me interrompe.

- Uma aula experimental - Ela oferece tentando me dobrar no meio, eu a encaro - Tente, se você gostar, fechamos o negócio.

Eu considero por alguns longos minutos. Não seria o fim do mundo, seria? Último período, os alunos já estão tão esgotados de verem sempre o mesmo, pensando bem nisso, se me recordo desse momento em específico da minha vida, os estudantes já estão cansados de basicamente tudo nesse ponto do curso. Desconsiderariam rapidamente sem saber do que se trata a matéria e logo diriam algo como "eu me viro mais tarde", pediriam para um amigo anotar as coisas e responder a presença na hora da chamada a fim de não reprovar. A realidade é que eles malmente me notariam.

Eu suspiro esgotado e estreito o olhar para a mulher na minha frente.

- Uma aula? - Pergunto um pouco hesitante.

Reitora Hall abre um sorriso digno de comercial Colgate, vitorioso.

- Uma aula. Amanhã nos encontramos nesse mesmo horário e você me diz o que achou, se você não gostar, eu te dispenso, se gostar, eu te encaixo no cronograma.

Eu assenti lentamente.

- E quando seria essa aula? - Questiono ainda receoso.

- Hoje a noite. Vamos colocar a sua aula no horário vago - Ela explica se levantando da cadeira e me oferece a sua mão para um aperto - Temos um acordo?

Eu respiro fundo e me levanto da cadeira também, pego sua mão e aperto.

- Temos.


Meu professorOnde histórias criam vida. Descubra agora