Capítulo 1

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Há alguns momentos casuais que guardam em si o poder de abalar a estrutura de sua vida para sempre. Longe de ser uma pessoa avessa a mudanças, Rafa gostava e até ansiava por elas, só não esperava que viessem uma atrás do outra, com tão pouco tempo para assimilá-las.

A influenciadora sempre foi alguém que gostou mais de observar, analisar e refletir, o que exige um tempo de latência. Desde que entrou no BBB, no entanto, esse tempo foi apagado. Teve experiências de três anos de vida em três meses, mas ela mantinha uma esperança ingênua de que, quando saísse da casa, as coisas voltariam um pouco ao normal.

Essa ilusão foi logo quebrada. Ao sair do confinamento voluntário e matar um pouco da saudade que não mais cabia em si da família, foi sugada de volta ao ritmo frenético para cumprir alguns compromissos com a Globo.

Antes de entrar para a entrevista no #RedeBBB, se reuniu com Marcella e perguntou se deveria saber de algo. Como sempre, gostava de se preparar o máximo que podia.

— A gente precisa conversar, sim, mas fica calma que já alinhamos essa entrevista. Eles vão falar só sobre coisas divertidas e positivas. Você vai estar com a Manu. Vai ficar tudo bem! — disse Marcella na tentativa de tranquilizá-la.

Rafa foi logo puxada para o cenário do estúdio. Ela estava em tamanho estado de êxtase, por reencontrar a família, pela sensação de objetivo alcançado com consciência limpa, por descobrir que tinha chegado a mais de 13 milhões de seguidores. Era tanta coisa para processar que ela não queria pensar no que sua prima havia lhe falado. Mas aquilo ficou ali no fundo da mente.

Após encerrar todos os compromissos da noite e sair gritando pela Manu nos corredores do hotel em vão, Rafa se reuniu com a família. Eles trocaram carinhos e, depois de saber sobre as novidades de cada um deles e de perguntar sobre outros familiares e amigos, foi direto ao assunto.

— Podem já ir me contando tudo que eu preciso saber. E eu quero saber de tudo.

— Vixe, mas é tanta coisa que é mais fácil você perguntar o que quer saber. Tem algum assunto em especial que você queira falar? — perguntou Marcella.

A primeira pergunta que Rafa fez foi sobre a briga com a Flay, mas de imediato lhe tranquilizaram e avisaram que ela havia virado referência nacional de como tretar com elegância.

— Acho que uma outra coisa que me angustiou muito... Não, deixa quieto. É coisa boba minha.

— Pode perguntar, Rafa.

— Cês devem ter visto o comentário da Gizelly, né? Sobre eu não merecer ganhar o prêmio porque já tenho dinheiro...

— Ai, minha filha... — Genildinha Furacão foi logo interrompendo. — Você ficou encasquetada mesmo com esse trem, né? A gente viu o que ela disse e teve nada demais. O Prior que queria caçar confusão, mas a Gizelly estava só brincando daquele jeito dela. Aliás, a amizade de vocês era linda demais. Ela vivia te elogiando e defendendo, e continuou fazendo isso aqui fora. A gente gosta muito dela, viu?

Rafa soltou um suspiro aliviada. Sabia que dona Genildinha a defenderia sempre com unhas e dentes — ela chegou a criar conta fake para brigar com os haters! — então nunca teria acolhido Gizelly se tivesse prejudicado ela, e nem teria falado da amizade delas com tanto afeto na voz.

— Mas Rafa, a gente precisa conversar sobre isso. — Marcella falou um pouco hesitante, olhando para as outras pessoas, o que trouxe de volta a sensação de inquietude em Rafa. — Você e a Gizelly tinham uma relação bem próxima, né?

— Eu tenho uma relação próxima com a Gizelly, sim.

— Exatamente... Dava pra ver que você gosta muito dela e ela de você.

— Sim, eu gosto muito dela, muito mesmo... Que bom que ela também se sente assim, pelo que cês tão me falando, porque a gente fica muito doido confinado e botando mil ideias na cabeça.

— Você melhor do que ninguém sabe como as pessoas na internet também aumentam qualquer coisa. Com o pessoal também confinado aqui fora então, imagina só. Bom, a questão é que eles torciam muito por você e pela Gizelly.

— Ah, que bonitin'. Eu torcia muito por ela também, mesmo com esse nosso desentendimento, sabe? Eu queria muito que ela tivesse ficado mais tempo na casa, ela fez muita falta quando saiu. Tive tanta saudade daquele jeitinho looouco dela.

— Então... As pessoas não torciam para vocês ficarem na casa, elas torcem para vocês ficarem juntas juntas. Como um casal. Criaram um shipp pra vocês duas, o Girafa. É uma torcida gigantesca e muito engajada, e uma parte grande dos seus novos fãs também.

— Como assim? — Rafa não havia conseguido ouvir mais nada depois de "casal". Marcella havia dito algo sobre animais?

— Sim, prima. Eles viam você falando da Gizelly, alguns olhares e conversas, e criaram uma série de vídeos, teorias, fanfics. Eles são muito criativos e engraçados! — disse a empresária, tentando demonstrar leveza, mas permanecia atenta a qualquer expressão de Rafa.

Marcella passou a explicar a origem do shipp e um pouco sobre como Gizelly estava reagindo a tudo aquilo também. Rafa tentava prestar atenção e soltava algumas risadinhas com as histórias, cobrindo o rosto com a mão com vergonha. Mas não conseguia esconder completamente seu choque.

— Mas Rafa, ó, eu quero que você saiba que não tem com o que se preocupar, viu? Se for questão de carreira. Você antes tinha um público mais de nicho, do mundo sertanejo, tradicionalmente mais conservador. Não tô dizendo que devemos abandonar eles, porque são muito leais a você, mas você tem 10 milhões de novos seguidores que te abraçaram por terem visto como você é uma mulher justa e paciente como era Jesus, que é muito fiel à sua verdade, que abraçou a causa das mulheres na casa contra o machismo, defende causas importantes. É um público mais progressista, muitos são LGBTs. Então não precisa ficar com medo.

O quarto ficou em silêncio por alguns segundos, com Rafa tentando refletir sobre tudo que a prima e empresária estava dizendo.

— O que você sugere? Não tenho problema de entrar na brincadeira também com a Gizelly, acho engraçado. Mas não sei se quero dar muita corda. Tenho um pouco de medo que vire uma coisa muito grande, que eu perca o controle.

— Minha filha, você pode reagir como quiser. A gente vai sempre aceitar qualquer decisão sua. — Genildinha disse enquanto abraçava a influenciadora e dava-lhe um beijo na testa.

Costuma-se acreditar que esses momentos que transformam nossas vidas e nos deixam sem ar vêm do nada. Mas, normalmente, o que eles fazem é regar uma semente que já estava plantada e que vai crescendo aos poucos até você não conseguir mais negar que ali nasceu uma flor.

Rafa não sabia ainda, mas essa noite foi o início de uma série de momentos que fariam florescer algo que ela não seria mais capaz de podar.

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Oi pessoal!

Eu nunca fiz uma fic na vida, mas resolvi escrever essa num impulso de raiva das pessoas que acham que fanficar Girafa é "forçar" uma sexualidade nas meninas. Se tem uma sexualidade que é forçada a TODOS nós é a heterossexualidade. Sexualidade é um discurso, a identidade/subjetividade de cada um é sempre construída socialmente e, enquanto vivermos numa sociedade heteronormativa, a heterossexualidade vai ser sempre um padrão imposto. E não, ser lésbica ou bi não te faz imune à heteronormatividade.

Ou seja, um grupo de fãs pode até forçar cobrando certas atitudes, mas nunca vai conseguir forçar ninguém a virar sapatão não. Até porque a bissexualidade existe, amores. Essa fala é da mesma ordem dos homofóbicos que dizem que o movimento LGBT quer direitos e visibilidade para impor uma ditadura gay. Apenas parem e se informem um pouquinho antes de sair reproduzindo esses discursos opressores.

E é por isso que eu vou fanficar sim. Vou fanficar pra caralho e se reclamarem vou fanficar em dobro.

Beijos.

O começo pode ser assim (Girafa)Onde histórias criam vida. Descubra agora