Capítulo 23

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— Cê dormiu aí, bebê?

A mineira ouviu o sussurro como se fosse em um sonho. Conseguia sentir um carinho leve em seu cabelo e não quis acordar com medo de interrompê-lo. Recuperando aos poucos a consciência, criou coragem para abrir os olhos e, assim que o fez, sentiu os raios de luz do alvorecer lhe atacarem. Quando sua visão se acostumou com a claridade, o borrão em sua frente tomou forma.

Era Gizelly, sentada ao seu lado no sofá, encarando-a com um olhar que quem visse de fora da cena poderia achar que era sinal de raiva. Mas Rafa não a via por fora. Por isso, sabia que ele refletia um misto de preocupação e afeto.

— Que horas são?

— Seis e vinte. Dá tempo de dormir mais um pouco. Vamo que eu te levo pra cama.

— Nããão, num quero. — reclamou manhosa, em sua melhor imitação de Soso.

— Rafa, você vai ficar toda dolorida. Vamo, eu te ajudo.

— Eu quero ficar aqui.

— Tá. — disse Gizelly. Sua voz ou olhar continuavam sem algum pingo de raiva; eram apenas ternura. — Eu vou lá pra cozinha preparar um cafezinho então, tudo bem? Mas eu também posso ir embora se você quiser.

— Não. Fica. Por favor. — repetiu o pedido de algumas horas atrás.

A advogada deu um beijo suave em sua testa e saiu da sala.

Rafa tentou voltar a dormir, mas não tardou a desistir. Estava já alerta, e com uma ressaca do tamanho do mundo. Para tentar melhorar um pouco seu estado – e humor –, foi tomar um banho.

Mergulhou a cabeça embaixo do chuveiro e permaneceu parada, sentindo a água fria caindo sobre seu rosto. Sabia que teria que conversar em breve com Marcella para decidirem o que fazer. Naquele momento, no entanto, não queria pensar sobre nada, exceto sobre a água em sua cabeça. Era tudo em que conseguia se concentrar.

Depois do longo banho, foi se trocar e, ao abrir o guarda-roupas, foi atraída pelo camisão da coleção de Gizelly: "Isso também passa". Ela tinha quatro peças que a advogada havia lhe enviado ainda durante a quarentena, mas aquele, que havia roubado da advogada um dia que havia dormido em sua casa, era seu favorito. Sabia que isso era impossível, mas era como se ele ainda contivesse o cheiro da mulher, e sentia-se sempre abraçada por ela quando o vestia.

Caminhou até a cozinha e viu a advogada sentada junto à mesa, onde estava o arranjo de flores que havia lhe dado no dia anterior. Ela bebia café e estava concentrada em algo no seu celular.

— Oi. — anunciou Rafa ao entrar no cômodo.

— Oi! Desculpa, eu tava passando umas orientações pras meninas sobre aquele caso que eu te falei sobre a jovem que foi presa por matar, em legítima defesa, o padrasto abusivo, lembra?

— Lembro sim. Espero que ela consiga ser solta.

— Vai sim. Eu num vou descansar até que ela saía da prisão!

Rafa sorriu, pela primeira vez naquele dia. Nunca deixaria de se encantar com a força daquela mulher, com a paixão que ela tinha de defender outras mulheres e em fazer acontecer a Justiça.

— E você? Como você tá? — perguntou Gizelly, olhando-a agora com toda sua atenção.

— De ressaca.

— Ai. Toma aqui um remediozinho. — Gizelly se levantou e foi buscar um medicamento, sabendo o lugar onde ficavam. — Eu fiz um bolinho de cenoura pra você. Tá no forno já. Daqui a pouquinho deve de tá pronto!

O começo pode ser assim (Girafa)Onde histórias criam vida. Descubra agora