One - Perfeição

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Adoramos a perfeição, porque não a podemos ter; repugna-la-íamos se a tivéssemos. O perfeito é o desumano porque o humano é imperfeito. — Fernando Pessoa



O vidro refletia nele um céu cinzento, que iluminava com poesia o salão de dança de uma das melhores escolas de Nova Iorque que naquele momento, estavam ali, inteiramente para a bailarina que se concentrava em extrair o melhor de si todos os dias. Movimentava-se com seus pés pelo chão de madeira numa delicadeza e poder de invejar até a mais pura das almas. A concentração e frieza inabalavel sempre tão invejada e cobiçada, impressionavam. Ela era perfeita.

— Veja Kaki, como ela é linda! — Exclamava com fervor uma garotinha no lado de fora, os olhos infantis e sonhadores observavam a mais velha no lado de dentro com devoção, queria ser como ela.

Vidrada no celular, pouco se deu importância — mal sabia ela o espetaculo gratuito que perdia.

— Bom Sofi, eu preciso ir. Fique aqui, certo? junto com seus amiguinhos — apontou para as outras crianças que assim como a garotinha, observavam a dançarina no lado de dentro.

De relance, olhou para dentro do salão atraves do vidro gigantesco que cobria a faixada do prédio, os movimentos precisos, os cabelos longos e negros, não conseguiu marcar a fisionomia de seu rosto, mas algo em seus movimentos cativara a tal kaki  com extrema profundidade e, balançando a cabeça numa tentativa de espantar tal sensação, Ignorou-a e foi embora.

Os pés descalços, na maioria das vezes doloridos e marcados por um esforço descomunal causados por seu trabalho, agora sentiam-se suaves e relaxados.

— Vamos lá, Lauren.  Erga ainda mais seu queixo. Mostre para mim que ninguém pode com você, que o  sobrenome que corre por suas veias a valoriza, você é uma Jauregui, você é filha de uma Jauregui. — Sua mãe falava ao fundo, dura e firme. A cobrança em sua voz era quase palpável, mas ela não conseguia esconder o orgulho sentido ao ver sua filha seguir seus passos tão impacaveis no mundo do Ballet.

Filha de pai catalão e mãe francesa, Clara Jauregui, agora aposentada e professora de ballett cresceu num ambiente reservado e elitista da alta sociedade europeia, tida como uma das bailarinas mais influentes de todos os tempos, ganhou prêmios, escreveu livros, e claro: deu a luz a uma das promessas mais cobiçadas por todas as academias de dança nas últimas décadas.

Lauren Jauregui.

A jovem bailarina de dezoito anos, que dançava desde os três e praticava ballet desde os cinco. Cresceu num ambiente familiar tradicionalmente muito correto e intolerante a erros, sempre focada em seu único objetivo: a dança. Durante a adolescência inteira dispensou boa parte das festinhas e  outras distrações que podiam tira-la do foco. Perdera a juventude ao não crescer como uma criança comum, mas ela não se importava, o clichê nunca fora bem vindo em sua vida. Dona de olhos esverdeados fascinantes, encantava por seu ar compenetrado e fechado, aguçava a curiosidade de qualquer um, mas dispensava romances e sempre inabalável, herdou da mãe tudo aquilo que mais odiava: a frieza.   

Custava muito de si admitir que sentia falta do amor materno, mas lhe custava mais ainda admitir que havia herdado toda aquela cascata de pose inabalável da mulher mais velha. 

— Por Deus, Michelle. — Ralhou Clara ao observar a primogênita despencar no chão.

Com uma careta, a jovem engoliu em seco e levantou sozinha, o tornozelo doía um pouco, mas não ousou perder para a dor.

— Está tudo bem. — Prontificou a responder enquanto bebericava um gole da água gelada. — Acho podemos parar por aqui com os treinos.

Clara negou fervorosa, não escondendo a infelicidade e o desapontamento.

Me Ame Se For Capaz - Camren fanfic Onde histórias criam vida. Descubra agora