Todo artista precisa de um mecenas, eu acho. Alguém influente o suficiente, ou rico o suficiente, para dizer aos outros ricos e influentes que o trabalho daquele ninguém vale alguma coisa. Afinal, ninguém quer ser o primeiro a expressar opinião própria, não é mesmo? Imagine os riscos.
Dimas foi o meu mecenas. Ele não foi apenas o responsável por dar início à minha carreira artística, mas também, de certa forma, foi o responsável por minha vida ter seguido na direção em que seguiu, para que os eventos se desenrolassem da forma como se desenrolaram.
Parando para pensar, é curioso que tudo tenha começado assim, ajoelhado no chão de uma cantina, eu recolhendo minhas pinturas, um desconhecido me aborda com uma palavra estranha. Até hoje tenho dúvidas se foram as minhas escolhas ou o puro acaso que levou minha vida a seguir um caminho tão turbulento, se eu poderia ter mudado alguma coisa, ou mesmo se eu gostaria de ter mudado alguma coisa.
Ainda ajoelhado, eu me virei, confuso, e vi um homem de quarenta e poucos anos, ligeiramente acima do peso, com os cachos começando a rarear. Usava um colete sobre uma camisa branca e levava o chapéu na mão. Tinha uma expressão gentil e um sorriso jovial. Reparei que ele olhava para mim e para a pintura, alternadamente. Recompus-me e perguntei:
— Como disse?
— Tamamo-no-Mae. Na pintura – ele ofereceu outro sorriso. — A mulher-raposa.
— Não exatamente — eu respondi, meio sem jeito. — É só uma ideia boba que tirei de uma história que meu avô me contava. Mas, quem é Tamana-mãe?
— Não, não. É Tamamo-no-Mae — ele sorriu e repetiu pausadamente, sempre num tom gentil. — É uma lenda japonesa. Uma raposa de nove caudas que tomou a forma de uma bela mulher e ganhou a admiração do imperador.
— Do imperador? — Foi o que consegui dizer, de forma automática. Num primeiro momento, eu não lhe dei muita atenção, chegando a imaginar Dom Pedro na história.
— Sim. Ela era dotada, também, de grande sabedoria. Mas ela fez com que o imperador ficasse doente, e ninguém sabia a origem do que o afligia.
O homem foi resumindo a narrativa de forma empolgada. Ele era um bom contador de histórias e algo no seu modo de falar me fez lembrar de meu avô, de modo que eu o deixei prosseguir. Mas na verdade, eu estava um pouco desnorteado.
— Perdão, eu estou lhe chateando? — Ele perguntou ao reparar na minha confusão.
— Não, não, — eu disse, — por favor, prossiga.
— Pois bem. Foi então que um astrólogo descobriu seu disfarce e ela fugiu — ele disse, gesticulando com uma das mãos. — O imperador, então, enviou os dois guerreiros mais poderosos em seu encalço. Ela foi morta e se transformou numa pedra que amaldiçoava a todos que a tocavam.
Eu esperei um momento para ver se ele dava continuidade à narrativa. Quando ficou claro que ele tinha terminado, eu tive um estalo.
— Ela era uma raposa que tomou a forma de uma mulher? — Eu perguntei, finalmente compreendendo a natureza da história.
— Isso mesmo. Ou era metade mulher, metade raposa — ele deu uma risada. — Para ser completamente sincero, eu não tenho certeza.
— Nossa... é uma história e tanto. Nem sei o que dizer. E minha pintura se parece com ela?
— Bem, de certa forma. Claro que a sua tem características ocidentais, a começar pelas roupas. E a sua tem apenas uma cauda, mas o conceito está todo aí. Até o estilo da pintura e o padrão de cores lembra o estilo japonês. Como é mesmo que eles chamam? — Fez uma pausa buscando a palavra. — Ukiyo-e. Sim, é isso. Muito parecido.

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O Conto da Raposa
FantasyATENÇÃO! Este livro será removido em breve. Vencedor do Prêmio Wattys 2021 na categoria Ficção Histórica. O que é realidade? Eu sempre me esforcei para resumir a realidade ao universo palpável, a tudo aquilo que a sociedade descreve como normal. Tud...