18 - Impacto

119 28 2
                                        

Naquela noite, sonhos inquietos me dominaram. Momoe me evitou por boa parte do tempo, ou talvez eu a tenha evitado, e isso ajudou a me tirar o sono. Minhas costelas também reclamavam bastante e ficavam me acordando constantemente, a queda pode ter comprometido a recuperação delas.

        "Vocês nunca pensam nas consequências", ela dissera durante seu surto de raiva. Ainda sem entender a quem ela se referia, a frase toda ainda me atormentava. Ironicamente, durante toda a minha vida eu me arrependi por minha falta de espontaneidade em determinados momentos, isso porque eu sempre pensei demais.

        Toda ação gera uma consequência, maior ou menor, era inevitável. Quando essa consequência poderia afetar outra pessoa, eu ficava ainda mais paralisado. O que só aumentava o meu sentimento de culpa atual. Dor e culpa disputavam para ver qual me atormentava mais.

        Mas em determinado momento da noite, não foi apenas as costelas que eu senti, mas um peso imobilizando meu corpo.

        — Há quanto tempo, Miguel — disse uma voz provocante.

        E lá estava ela, sentada sobre mim. Os trajes vermelhos que se destacavam no cenário, a mão pousada sedutora e perigosamente na base do meu pescoço, as unhas compridas deslizando na pele. Os cabelos caíam sobre os ombros e o sorriso vermelho e irônico era a única coisa visível em seu rosto coberto por sombras, mesmo àquela distância.

        — Sentiu minha falta, querido?

        Num primeiro momento, eu estava surpreso demais para dizer qualquer coisa. Em vez disso olhei em volta, procurando qualquer sinal de Momoe.

        — Ela não está aqui — a mulher disse. — Somos só nós dois.

        — O que faz aqui? — Eu tinha certeza de que aquilo era um sonho, mas eu já tinha aprendido que o melhor a fazer nesses meus sonhos era seguir o roteiro até o fim. — Sua consciência mandou você vir me dar outro aviso.

        — Ah, não — ela respondeu em meio a uma risada. — Ela está dormindo agora. Eu vim por conta própria, queria ver como estão as coisas depois que você resolveu me ignorar por completo.

        — Por acaso, você foi a responsável? — Eu, literalmente, não estava em posição de encurralá-la, mas queria ver sua reação. — Os samurais, a morte de Dimas, o macaco de quimono, você fez essas coisas acontecerem?

        — Assim você me ofende, Miguel. Não, eu não fiz nada disso. E nem poderia, eu apenas assisto aos acontecimentos. Se bem que eu gosto de sugerir alterações no roteiro — ela se inclinou e sussurrou no meu ouvido. — O que acha, vamos fazer uma agora?

        Eu fechei uma mão em sua garganta e passei a outra por sua cintura e, ato contínuo, girei invertendo nossas posições. Fiz pressão em seu pescoço somente para mantê-la no chão. Era a primeira vez nesses sonhos que eu a tinha tão perto e sob controle, no entanto, ela ria como se já esperasse por isso.

        — Tudo bem, você pode ficar em cima se quiser.

        — E se eu fizer uma alteração? — Tentei me manter o mais sério possível enquanto falava, como Momoe faria. — E se eu quebrasse seu pescoço aqui e agora? Se estamos num sonho, isso não vai fazer diferença, vai?

        — Aí estão suas garras — ela riu e acariciou minha mão que apertava seu pescoço. — Por favor, Miguel, não faça ameaças que você não pode cumprir.

        A mulher deslizou a mão pelo meu peito e foi descendo até apertar minhas costelas. A dor me paralisou completamente e eu rolei para o lado, lutando para manter o ar nos pulmões, o que me fez questionar se aquilo era mesmo um sonho. Ela se levantou com total naturalidade e caminhou pela cabana, examinando tudo com certo desdém.

O Conto da RaposaOnde histórias criam vida. Descubra agora