Homens têm sonhos grandes, mas gastam sua energia e seu tempo perseguindo pequenos desejos. Coisas banais que estão mais ao alcance das mãos, que proporcionam alívio ou prazer imediatos, essas coisas parecem valer mais a pena para o ser humano comum. No fim da vida, o que lhes resta são um monte de frustrações. Não me recordo quem me disse isso.
Pensar em envelhecer como uma pessoa frustrada já me tirou muitas noites de sono, e para evitar isso eu persegui o meu sonho de me tornar um pintor, enfrentando tudo e a todos para fazer o que eu queria fazer.
Contudo, é mais fácil falar do que fazer, e eu pareço sempre estar a um passo da frustração nesse caminho. Se for fácil, não vale a pena. Isso, quem me disse foi meu avô. Nessas horas, eu queria ser o tipo de pessoa que persegue seus desejos banais, mesmo que eles não me pareçam tão banais agora.
No momento, o meu desejo mais banal era cair no sono. Após muito me revirar, percebi que isso não seria possível, então me levantei para... bem, não sei para que eu me levantei, mas qualquer coisa seria mais produtiva. Fui surpreendido pela mulher parada na porta da cabana, piteira na mão, e observando a noite. Não era Momoe.
— Dificuldades para dormir, Miguel? — Ela disse por cima dos ombros, sua voz traindo o habitual escárnio.
— Foi o que eu pensei –—eu disse, após um longo suspiro de frustração. — Mas pensando bem, eu queria que fosse verdade. Você não tem outra pessoa para importunar?
Ela riu e deu uma longa tragada, então a piteira desapareceu, como se nunca tivesse estado lá. A mulher virou seus olhos que eu não podia ver na minha direção e se aproximou.
— Talvez eu goste de importunar você.
— Não — eu disse com total certeza. — Você não pode falar com outra pessoa. Ou não tem motivos para falar com outra pessoa. Diga logo o que quer.
— Quem diria, você está aprendendo — ela passou por mim, deslizando a mão pelo meu pescoço, e foi se sentar no baú de novo. — Então, seguiu meu conselho?
— Sobre Momoe? Não.
— Você não é um bom mentiroso, querido — ela cruzou as pernas e sorriu como se esperasse que eu começasse.
— Eu perguntei algumas coisas, sim. Nada de excepcional. Ela tem um passado, como qualquer um, coisas que dizem respeito somente a ela.
— Ela o rejeitou, não foi?
Eu não consegui responder, tinha medo de ser insincero comigo mesmo. Virei o rosto e deixei que ela pensasse o que quisesse, não fazia diferença.
— Você deveria mostrar mais empenho ao perseguir seus desejos. Talvez com um pouco mais de ímpeto.
— Esse não é meu desejo — eu disse de forma contida e então dei um passo na direção da mulher. — E por que você continua falando como se você se preocupasse comigo? Eu não sei como libertar você, mas sei que isso é tudo o que você quer, para que você possa saciar seus desejos banais.
— Como um humano ousa falar de desejos banais?! — a voz da mulher assumiu um tom ameaçador. — O seus desejos resumem-se a dinheiro e sexo. Ou será que todos vocês buscam realizar grandes feitos, nobres e altruístas, pelo bem de todos?
Eu certamente não tinha réplica para aquilo, afinal, ela tinha razão. Me incomodava, contudo, deixar que meu silêncio evidenciasse que eu concordava com ela. A mulher recobrou sua postura arrogante e sorriu. Ela então se levantou e se aproximou.

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O Conto da Raposa
FantasyATENÇÃO! Este livro será removido em breve. Vencedor do Prêmio Wattys 2021 na categoria Ficção Histórica. O que é realidade? Eu sempre me esforcei para resumir a realidade ao universo palpável, a tudo aquilo que a sociedade descreve como normal. Tud...