Durante todo o caminho de volta até a cabana, nenhuma palavra foi dita. Minha adrenalina estava nas alturas e havia um milhão de coisas na minha cabeça, de modo que eu mesmo precisei um tempo para me situar, mas tudo o que consegui foram mais e mais perguntas.
Alcançamos a cabana pouco depois do ocaso, com Momoe logo à minha frente andando a passo largos, e esse era o único sinal de que poderia estar, de algum modo, nervosa.
Puxei seu braço com um pouco mais de agressividade do que pretendia, mas não podia recuar agora. Era a hora de respostas, e eu não podia deixar que ela se esquivasse do jeito que fosse.
— Acho que eu mereço algumas respostas — falei, finalmente.
— Claro, respostas. Você sempre quer respostas — ela falava com aparente tranquilidade na voz e no olhar.
— Espera que eu ignore o que eu acabei...
— Eu sou uma raposa — sua voz soou por cima da minha. — Uma 'kitsune,' como dizem os locais. Uma feiticeira capaz de mudar de forma — ela fez uma pausa, cravando seu olhar penetrante no meu. — É isso que queria ouvir?
Sua confissão repentina me deixou mais chocado do que deveria. Acho que eu ainda esperava que ela negasse e que houvesse uma explicação plausível para o que eu havia testemunhado, mantendo de pé os muros da realidade. Demorei para me recompor e reiniciar o interrogatório.
— Quando pretendia me contar?
— Nunca — seu tom havia se reestabelecido.
— Como assim, nunca!? — Nessa hora, me senti realmente ultrajado.
— Você partiria em breve. Jamais voltaria. Não havia necessidade de saber.
— Não havia necessidade de saber!? Então, eu não precisava saber que estava vivendo com um... — me arrependi imediatamente de ter começado essa sentença.
— Termine — seus olhos voltaram a se fixar nos meus, e eu me senti forçado a desviar. — Um monstro, você ia dizer, não é? É isso que você me considera? Eu faço jus às histórias que você ouviu durante toda a sua vida?
— Talvez faça — Eu disse, após um longo silêncio, só para voltar a me arrepender, mas prossegui assim mesmo. — Enganadora, como nas histórias. Talvez você queira me devorar.
A mulher deu uma risada irônica.
— Por favor, Miguel, cinismo não combina com você. E se eu o quisesse morto, poderia simplesmente tê-lo deixado no rio.
— Você sabe muito sobre mim, não é? Me seguiu por muito tempo? A feiticeira que meu avô encontrou, era você?
— Não.
— Não minta!
— Não — seu tom ficou mais sério. Ela refletiu por um segundo antes de prosseguir — ela gosta de ser chamada de Astrid. Ela vaga pela Europa há séculos, atraindo e devorando viajantes perdidos. Alguém que a sua espécie chamaria de uma assassina sem escrúpulos. Seu avô teve muita sorte de escapar com vida.
Achei pouco provável que ela estivesse mentindo, mas eu ainda não estava satisfeito.
— Já matou um homem antes? — Eu perguntei.
— Inúmeras vezes — ela respondeu sem hesitar.
— Por quê?
— Por vários motivos que não lhe dizem respeito.

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O Conto da Raposa
FantasyATENÇÃO! Este livro será removido em breve. Vencedor do Prêmio Wattys 2021 na categoria Ficção Histórica. O que é realidade? Eu sempre me esforcei para resumir a realidade ao universo palpável, a tudo aquilo que a sociedade descreve como normal. Tud...