25 - Coragem

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Quando voltei à cabana, o laranja e o rosa já começavam a se misturar no horizonte, dando sinais de que a noite não tardaria a cair. Entrei pela porta aos trambolhões e chamei por Momoe. Não houve resposta. Recuperei o fôlego e procurei por toda parte e depois fui até o precipício, mas estava claro que a feiticeira havia saído. Mas para onde?

        Teriam os samurais chegado primeiro? Não. Ela não cairia sem lutar, e não havia sinais de luta. Disparei rumo à floresta sem saber onde procurar. As minhas andanças pela região se resumiam aos dois últimos dias e foi nisso que apostei.

        Passei pela piscina natural, pelo regato e pela região mais elevada, onde o pequeno Kotarou foi assassinado. Sem sorte. Olhei em volta na esperança de alguma pista, e o que vi? Uma raposa. Contive o impulso de chama-la pelo nome, afinal, mesmo depois de ir tão longe, se eu começasse a falar com um animal que, no final, era apenas um animal eu seria só um idiota.

        O bicho se assustou com a minha presença e saltou nos arbustos. Eu corri atrás dele e, quando me dei conta, estava numa clareira. A raposa se embrenhou nos arbustos mais adiante, mas eu a deixei em paz.

        No centro da clareira, um pessegueiro solitário dava abrigo a uma mulher num quimono vermelho ornado de chamas douradas. A mulher parecia conversar com tímidas entidades de luz que fugiram ao me ver.

        — Momoe! — Eu disse num misto de cansaço, urgência e alívio. Ela se virou para mim e sua expressão transmitia raiva e frustração.

        — Por que você voltou? — Ela perguntou, e pensei ter visto uma lágrima reluzir em seus olhos.

        — Eles estão vindo — eu disse. Os samurais. E trouxeram os aldeões. Eles vieram atrás de você, eles acham que você matou o garoto.

        — Vá embora enquanto ainda há tempo! — Ela não parecia de forma alguma surpresa. Ela sabia que isso aconteceria.

        — Isso não se trata mais só de mim! — Eu me aproximei. — Eles querem você, e com certeza ninguém vai ouvir a razão quando souberem o que você é. Mesmo com o verdadeiro assassino bem ao lado deles!

        Eu estendi a mão para tocar seu rosto. Ela fechou os olhos e se retraiu levemente, mas antes que eu pudesse tocá-la, uma voz trovejou atrás de mim.

        — Oi, kochi, kochi!

        Virei-me para me deparar com a odiosa figura do samurai com a faixa na testa. Em poucos segundos, seus companheiros se juntaram a ele, e também o grupo de aldeões liderados pelo pai de Kotarou.

        O pobre homem calvo e mirrado usava trajes simples de tecido cru de cor cinza, e trazia uma pequena foice na mão. Suas mãos, aliás, tremiam num misto de medo e raiva, e o homem parecia prestes a cair em prantos a qualquer momento. Ele ergueu a foice sobre a cabeça e disparou em nossa direção.

        — Shine, bakemono! — "Morra, monstro," ele berrou no meio da corrida, um surto de coragem de um homem ferido, mas o samurai do cavanhaque o segurou.

        — Ibuki, sotto shite okinasai! — Senzou repreendeu o companheiro. Ibuki? Era bom dar nome aos bois.

        Ibuki soltou o pai do garoto, mas o homem desistiu da investida. Os samurais, no entanto, avançaram sacando suas espadas e nos cercando cuidadosamente. O grupo de aldeões se juntou a eles, sem nenhuma perícia, porém com muita vontade.

        Um deles atirou uma pedra que errou o alvo por muito, mas outro o seguiu e arremessou outra pedra que só não me atingiu na testa porque Momoe usou sua magia para pulverizar o projétil. Ela se colocou à frente em desafio e quatro aldeões avançaram de uma vez.

O Conto da RaposaOnde histórias criam vida. Descubra agora