O sol já estava alto quando acordei no dia seguinte, Momoe havia desaparecido para variar. Ela seguia sua vida, alheia a tudo o que aconteceu na noite passada. Era mais um dia para percorrer a floresta em busca de ervas.
Pensei em ir atrás dela, mas mudei de ideia. Ao invés disso, tomei um desjejum com algumas frutas e depois fui até a beira do paredão que dava vista para a clareira levando meu diário comigo.
Sentei-me à beira do despenhadeiro e abri o caderno no meu último registro. Com todos os acontecimentos dos últimos dias, especialmente das últimas vinte e quatro horas, eu deveria ter muito para escrever.
Mas não consegui escrever nada. Apenas rabisquei os contornos da paisagem à minha frente. Depois de algum tempo, decidi ir até a piscina natural para tomar um banho.
Quando voltei à cabana, pude ouvir alguém cantarolando uma canção com uma voz desafinada. Momoe ainda não tinha voltado e o som vinha do lado de fora. Saí e olhei em volta até localizar o som vindo da beira do paredão.
Uma criança estava sentada na beirada, cantarolando despreocupadamente. Olhando mais de perto, eu reconheci aquele quimono azul desbotado. Era o macaco do outro dia. Eu dei um passo para trás e desloquei uma pedra, o que fez o bicho virar a cabeça na minha direção.
— Olá — ele disse, com uma voz infantil rasgada.
A princípio eu não esbocei reação. Tentei entender exatamente o que estava acontecendo, se seria isso o que Momoe dissera sobre abrir os olhos das criaturas sobrenaturais para mim. Pensei em dizer olá, mas eu talvez parecesse idiota por falar com um macaco.
— O que você...
— Sou Oka — ele interrompeu.
— Oka. Certo, mas o que você é, Oka?
— O que eu sou? Sou Oka.
— Acho que já entendi — eu tentei argumentar. — Mas a sua espécie, como vocês se chamam?
— Espécie — ele pareceu refletir. — Quer dizer meu pai e minha mãe.
— Sim, como vocês se chamam?
— Meu pai, Dai, minha mãe, Yuka. Eles me chamam Oka.
— Não, eu quero dizer... — eu suspirei e percebi que aquilo não daria em lugar nenhum. — Esqueça. Como você...
— Fala a minha língua? — Ele completou. — O que é língua?
Eu não sabia bem como responder àquilo.
— Isso que estamos...
— Falando? — Ele completou outra vez. — Conversando. Isso é língua? Eu só falo.
— Você...
— Está lendo os meus pensamentos. Eu não sei, eu só escuto o que você diz.
— Mas eu...
— Ainda não disse nada.
— Pode...
— Parar com isso um segundo? — Ele parou, como se tivesse se dado conta do que estava fazendo. — Desculpe, ainda não sei controlar. O pai é muito bom nisso. Ele tá me ensinando.
Como se não bastasse, o macaco ainda podia ler os meus pensamentos, talvez assim ele falasse português, talvez ele tivesse acabado de aprender comigo, ou talvez estivéssemos nos comunicando mentalmente, sem abrir nossas bocas. Ou ainda, e essa era a possibilidade mais atraente para mim, eu caí e bati a cabeça e agora estava sonhando com tudo isso.
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O Conto da Raposa
FantasiaVencedor do Prêmio Wattys 2021 na categoria Ficção Histórica. O que é realidade? Eu sempre me esforcei para resumir a realidade ao universo palpável, a tudo aquilo que a sociedade descreve como normal. Tudo o que não se encaixa nesse contexto só enc...