16 - Acalanto

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                               Chiisana mura ni wa joshi ga umareta

                               Kodoku na sekai wo torinokoshitai

                               Dokonimo tabi ni dekaketa joshi wa

                               Mayonaka no tsuki ni sadame mieru kai


                               Shuto no nanbu ni wa danshi ga sodatteta

                               Sono machinami ni kodoku ga ippai

                               Dokonimo tabi wo hajimeta danshi wa

                               Mayonaka no tsuki ni sadame mieru kai


Ainda não havia amanhecido, isso eu tinha certeza, embora certeza não fizesse parte da minha vida ultimamente, especialmente nos últimos dois dias. Deixando os delírios para trás, a voz de Momoe parecia real o bastante para mim, seu canto que era quase um sussurro, um pouco desafinado, é verdade, mas mesmo assim bonito e tranquilizador, vinha da entrada da cabana.

        Aquelas palavras não faziam muito sentido para mim, mas era possível sentir a música, sentir suas intenções. Imagino que essa seja a beleza da música. Tudo o que eu não queria era alarmá-la, mas depois de tanto tempo de cama, ao tentar me levantar as minhas articulações estavam rígidas e o meu joelho estalou, soando como uma marretada no silêncio da madrugada.

        Momoe estava recostada na soleira da porta, piteira na mão, lançando um olhar de soslaio na minha direção. Como sempre, ela não parecia surpresa, mas seu canto cessou instantaneamente e não deu sinais de que recomeçaria.

        — Não quis interromper — eu tentei me desculpar.

        — Não interrompeu nada — a mulher deu uma baforada na piteira e voltou a encarar a noite. — Vejo que já está melhor.

        Eu olhei para mim mesmo e me avaliei. Certamente ela se referia à questão da aranha. É claro que eu estava me recuperando do meu encontro com os samurais, mas de modo geral, eu ainda me sentia um trapo.

        — É, graças a você. Eu devo ser o seu pior paciente.

        — Não, eu já tive piores — ela comentou com casualidade.

        — Mesmo?

        — Sim. Estão todos mortos.

        Aquilo foi uma piada? Era difícil dizer. Momoe raramente demonstrava qualquer emoção, a não ser quando... não. Aquela não era ela. Foi a mulher-aranha... foi o sonho com a mulher-aranha. Os eventos daquela noite foram ficando cada vez mais nebulosos na minha mente.

        — Momoe, quando você me encontrou naquela noite, você teria visto um clarão azulado na floresta? Você ouviu alguma coisa, um estouro, talvez?

        — Não — ela deu outra baforada e então olhou diretamente para mim. — Mas já que mencionou, você quer me contar o que fazia na floresta no meio da noite?

        Você me levou para a floresta, me mostrou um vale belíssimo e depois se transformou numa aranha e tentou me devorar? O que eu deveria dizer? Tudo pareceu tão real, mas depois o veneno da aranha, seja ela comum ou uma mulher-aranha, deixou tudo confuso e até a cronologia dos eventos se distorceu na minha cabeça.

O Conto da RaposaOnde histórias criam vida. Descubra agora