O conceito de realidade é bastante relativo. Isso porque ele depende também de um consenso, do que as pessoas querem acreditar. As pessoas têm problemas com os quais se preocupar, trabalho, impostos, cuidar da família, problemas reais.
Logo, quando se depara com o inexplicável, a mente humana age com o intuito de poupar a pessoa dessa carga para que ela possa se concentrar em seus problemas reais.
Pensando dessa forma, para a maioria das pessoas, o conceito de realidade não é apenas relativo, mas acima de tudo, maleável. Ela que se molda para se encaixar em suas percepções, para ter a forma que precisa ter, e se a forma da minha realidade é parecida com a de outras pessoas, perfeito. Como ela poderia estar errada? Elas não questionam e a vida segue.
Eu devo ter lido essas palavras em algum lugar há muito tempo, e agora, conforme o sol nascia, eu ponderava sobre elas. Posso ter dormido em algum momento esta noite, mas se o fiz, foi por poucos minutos.
"Eu não posso ter entendido o que a garotinha disse", eu tentava me convencer. Não apenas parecia, como era absurdo. Dimas nunca me ensinou aquelas palavras, e mesmo que tivesse ensinado, entendê-las com tanta clareza e com tão pouco contato com o idioma?
Eu devia estar impressionado com os últimos acontecimentos, raposas por toda parte desde que decidi fazer a viagem. É como a mulher no sonho dissera, eu esperava encontrar a raposa do meu avô.
Agora a minha mente guerreava: de um lado, eu tentava encontrar explicações racionais até para o que não exigia explicação; do outro lado, eu via sinais do sobrenatural até mesmo quando uma folha se soltava de uma árvore fora de hora.
Finalmente desisti de fingir que dormia e saí para caminhar. A cidade começava a despertar, com mercadores se preparando para mais um dia de trabalho, alguns puxando carrinhos apinhados dos itens mais variados. Aqui e ali ainda se via sinais do festival que passara por ali no dia anterior.
Sem toda a multidão a vagar por ali, eu pude enfim começar a notar as nuanças daquela terra. De fato, era um lugar místico onde até o ar que se respira parecia diferente, onde as cores da natureza assumiam outros matizes e o palácio e os templos pareciam deixar claro que outros deuses imperavam ali.
As religiões, aliás, dividiam espaço ali harmoniosamente. Budismo e xintoísmo regiam áreas diferentes das vidas das pessoas, sendo que algumas delas até mesmo seguiam ambas as crenças.
Na verdade, até as pessoas transmitiam essa peculiaridade, apresentando precisão cirúrgica e dedicação até nas tarefas mais banais. Eram bem desconfiadas com relação a estranhos, mas de forma alguma eram descorteses.
Reparei numa idosa que lutava com alguns caixotes e me prontifiquei a ajudar. Ela sorriu com alguns dentes a menos e olhos estreitos que mal se podia afirmar que estavam abertos, disse uma série de palavras com uma mão na lombar que eu não fui capaz de entender, embora ela as pronunciasse de forma lenta e acentuada. Eu apenas sorria de volta e confirmava com a cabeça. No final, ela me presenteou com um pêssego.
Isso me levou a outra questão. Eu não sabia por quanto tempo eu ficaria naquele lugar, não sabia como artistas viviam ali, mas sabia que não poderia viver com o senhor Shimura para sempre, tampouco poderia me beneficiar da enorme boa vontade de Dimas.
Pelo tempo que ficasse ali eu precisaria encontrar meios de me sustentar, precisaria aprender um pouco do idioma, precisaria saber me localizar e me virar.
E assim, eu passei a manhã visitando estabelecimentos comerciais dos mais variados e me oferecendo para ajudar em tarefas pequenas, em certas ocasiões tinha que explicar que estava oferecendo ajuda e não pedindo, em outras, era prontamente afugentado por comerciantes demasiadamente desconfiados, mas no geral, tive êxito em minha empreitada.

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O Conto da Raposa
FantasiATENÇÃO! Este livro será removido em breve. Vencedor do Prêmio Wattys 2021 na categoria Ficção Histórica. O que é realidade? Eu sempre me esforcei para resumir a realidade ao universo palpável, a tudo aquilo que a sociedade descreve como normal. Tud...