14 - Medo

158 28 10
                                    

O sol já se pôs há várias horas. A chuva que chegou junto com o crepúsculo, ou que trouxe o crepúsculo, parecia que não cederia tão cedo. Eu sabia que eu deveria ter voltado assim que ela começou, especialmente porque eu não conheço a floresta assim tão bem.

        Mas eu optei por continuar, não podia desistir agora. Eu sabia que esse suposto ato de valentia não significava tanto assim e eu nem sabia mais se ele valia a pena.

        A despeito do calor que fizera durante o dia, a chuva encharcava meus ossos e eu me sentia miserável e com frio. Como se a carabina já não parecesse estranha o suficiente nas minhas mãos antes, agora, úmida e escorregando o tempo todo, ela parecia um peso mais do que desnecessário.

        E o bicho parece ter desaparecido por mágica...

        Eu já não conseguia distinguir a vegetação ao meu redor, carvalhos e oliveiras, zimbros e adernos, tudo parecia a mesma coisa, um negrume úmido que não oferecia qualquer referência, seja da minha presa ou do meu caminho de volta. Até que...

        Um farfalhar curioso supera o barulho da chuva. Eu me viro na direção do som e capto uma cauda alaranjada desaparecendo por um abrunheiro. Agora eu a peguei! Com um suspiro de alívio, eu apertei a carabina nas minhas mãos e me controlei para não fazer movimentos bruscos. Se eu a perdesse de vista agora, seria o fim.

        Pisando o mais levemente possível no terreno instável, eu me enfiei no abrunheiro, aceitando de bom grado os arranhões que eu ia ganhando ao avançar, eles apenas acentuariam meu ato de coragem.

        Do outro lado do arbusto, o cenário mudou radicalmente. A mata fechada deu lugar a uma clareira larga e plana, quase uma arena. Eu apertei os olhos para tentar distinguir algo no meio da chuva, não havia sinais da raposa.

        Porém, me no meio da clareira, uma camponesa me aguardava.

        Longos cachos vermelhos como fogo caíam sobre seus ombros nus, ela tinha as mãos posicionadas candidamente sobre seu decote, os olhos sensuais lentamente sendo erguidos na minha direção.

        Meu primeiro impulso foi achar que ela havia se perdido, como eu, e que precisava de ajuda. Um passo, no entanto, e eu logo estaquei quando constatei que a chuva parecia não cair sobre a suposta donzela em perigo. Ela estava seca. E mais do que isso, ela parecia brilhar.

        Na escuridão da floresta, seu sorriso malicioso era notório. Meu instinto de sobrevivência gritou mais alto do que nunca quando ela ergueu uma mão na minha direção, como se me convidasse a me aproximar. Seus olhos emitiram um curioso brilho azulado.

        Nesse instante, um trovão pareceu cair bem ali, mas não foi o que aconteceu. Uma árvore simplesmente despencou atrás de mim, resmungando alto enquanto era consumida por uma chama da mesma cor dos olhos da mulher.

        — Procuravas por mim? — Pensei ter ouvido ela dizer.

        Quando me virei para ela de novo, uma luz espectral a envolvia e eu tive a impressão de que uma cauda feita da mesma luz se agitava atrás dela. Seu riso ecoou até meus ouvidos e, num instante, uma cortina de fogo azul envolveu toda a clareira formando um claustro da morte.

        Instantaneamente, uma memória distante brotou em minha mente. Eu era apenas uma criança, pequena demais até para saber minha própria idade, preso dentro de uma casa que era lentamente consumida pelas chamas. Um par de braços sem rosto me salvara naquela ocasião. Eu sabia que isso não aconteceria agora.

        Paralisado pelas chamas ao meu redor e acuado pelo ser à minha frente, eu estava prestes a me entregar à morte, inexplicavelmente ciente de que a carabina não me seria útil. No entanto, a sensação de pavor que aqueles olhos me provocavam era tanta que meu corpo simplesmente reagiu. Eu larguei a minha arma e saltei contra o paredão de fogo.

O Conto da RaposaOnde histórias criam vida. Descubra agora