19 - Feridas

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A convivência com Momoe nos dias seguintes foi, no mínimo, estranha. Não é como se ela me evitasse, na verdade ela agia como se não tivesse tido um rompante. Colocando de outra forma, era como se tivéssemos regredido vários passos e voltado ao ponto em que estávamos quando eu cheguei ali, com ela mantendo sempre um braço de distância. Talvez fosse melhor assim, afinal eu teria que partir eventualmente.

        E eu posso ter sido insensível por achar que ela se importaria pouco se eu morresse. Nós temos a tendência de achar que uma pessoa que se afasta das outras não é capaz de se ligar a ninguém, quando na verdade pode ser o excesso de empatia que as leva a se afastar, uma opção extrema para evitar a dor.

        As palavras da mulher do sonho também ecoavam na minha cabeça constantemente. Quer dizer, deixando de lado os conselhos motivacionais e as ameaças de morte, uma coisa era fato: eu sabia muito pouco sobre Momoe.

        Porém, outra questão seria: eu devo saber alguma coisa sobre ela? Se eu partisse, talvez eu nunca mais a visse de novo, e sendo assim, nem todas aquelas semanas de convivência me dariam o direito de invadir a privacidade dela, ainda mais com a dívida que eu tinha para com ela, e além do mais, "Momoe, uma mulher misteriosa que aparece em meus sonhos disse que eu não deveria confiar em você", não parece uma abordagem muito boa.

        Com as temperaturas cada vez mais altas, eu fui até a piscina natural para me banhar. Depois de dias me limpando com um pano úmido, a sensação de me banhar daquela forma era incomparável.

        Imaginei que seria dali que Momoe retirava água e, com minhas costelas já bem melhores, pensei que não faria mal algum pegar alguns baldes para levar um pouco de água para a cabana. Eu não gostava nem um pouco de ser um peso morto.

        De volta à cabana, reparei que Momoe ainda não tinha voltado. Apanhei dois baldes de madeira e já ia saindo quando meus olhos foram guiados até o baú que repousava num canto. "Ela talvez guarde segredos", disse a mulher do sonho. Sem dúvidas, ela guarda segredos, e eu estaria mentindo se dissesse que não gostaria de saber quais.

        Eu me aproximei a passos e hesitantes e parei na frente dele, passando a mão sobre sua superfície. Madeira maciça, carvalho vermelho, talvez. Não importava o que havia ali dentro, se fosse algo chocante, como a mulher do sonho disse, a minha relação com ela poderia mudar totalmente, e se fosse apenas um baú com os pertences pessoais de uma mulher, aquilo seria uma quebra de confiança colossal, de qualquer forma eu perco.

        Eu senti minha respiração acelerar de um modo que não acontecia desde que eu fora desafiado a subir até o topo de um pé de abacate quando criança, eu sabia que aquilo era errado, mas meus dedos deslizaram pela tampa mesmo assim. Uma pequena fresta se abriu com um leve rangido e eu fiquei ali parado por talvez um minuto.

        Fora da cabana, um galho estalou, mas em meus ouvidos foi como o som do brado lamuriento do meu sonho de infância. Eu soltei a tampa, apanhei os baldes e saí da cabana sem olhar em qualquer direção.

        Com os baldes devidamente cheios, eu descobri que não estava perfeitamente bem como imaginara. Era difícil dar três passos sem parar para respirar, e eu tive certeza de que teria que tomar outro banho depois de completar a tarefa, isso se eu não bebesse toda a água antes de alcançar a cabana.

        Durante uma das pausas, eu ouvi passos e o movimento da vegetação. Me aproximei cauteloso e descobri Momoe colhendo suas ervas. Fiquei aliviado, porém me lembrei da minha meia traição com o baú e hesitei. Pensei em dar meia volta, mas ela notou minha presença.

        — Olá — eu disse, com o máximo de casualidade que consegui.

        Momoe me olhou rapidamente de cima a baixo e voltou a procurar por folhas.

O Conto da RaposaOnde histórias criam vida. Descubra agora