8 - Morte

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O que você faria se soubesse que tem apenas um dia de vida? Acho que todo mundo já ouviu esta pergunta, todo mundo já se fez esta pergunta, e as respostas não costumam diferir muito como se poderia imaginar.

         Entre as pessoas que diriam que passariam seu tempo com aqueles que amam, as pessoas que diriam que passariam seu último dia fazendo sexo e aquelas que diriam que fariam algo excepcional para deixar sua marca no mundo, talvez o último grupo seja aquele em que eu me encaixasse melhor, mas há controvérsias.

        E como não lembrar daquela famosa frase, "viva seus dias como se fosse o último"?

        Isso quer dizer que devemos passar nossos dias transando? E de quantos atos excepcionais nós precisamos para viver uma vida plena?

        A verdade é que se não fizermos nada de nossas vidas, um único dia, nosso último, não fará diferença alguma. É preciso trabalhar todos os dias naquilo que queremos, na nossa marca no mundo, com pequenos atos, e então ver o resultado no final da estrada. Claro que na teoria é mais fácil. Tudo é mais fácil na teoria.

        Um poeta não muito conhecido disse uma vez que a vida vale a pena quando você se esquece que vai morrer. A mulher no meu sonho fez o favor de me lembrar de que eu morreria, embora tenha sido mais uma ameaça. Suas palavras davam a entender que meu tempo estava acabando, que eu caminhava para a morte naquele exato momento.

        Embora tenha sido só um sonho, essa é sempre uma questão inquietante, e eu me perguntei o que eu faria se hoje fosse meu último dia de vida. Não consegui pensar em nada. Quando você não tem muitos recursos e está a quilômetros de casa, fica difícil até mesmo encontrar uma morte decente.

        O que Dimas faria se soubesse que morreria hoje? Provavelmente algo melhor do que ficar sacolejando numa liteira por uma estrada irregular.

        Mais tarde naquele dia, eu acompanhei o comerciante em mais uma de suas viagens de negócio, mas desta vez, fora da cidade. Seguiríamos para Nara, cidade que foi capital do país no passado, e de lá, iríamos para Edo, a cidade que, segundo diziam, seria a futura capital.

        Não estava ansioso para encarar a multidão de duas cidades grandes diferentes, mas um período na estrada, cercado pela natureza era muito bem-vindo, especialmente para desanuviar a mente dos "eventos" da noite anterior que, aliás, preferi não contar ao meu amigo outra vez, mas devia ter algo explícito em minha expressão, mesmo com todo o balanço da liteira, pois Dimas reparou.

        — O que houve rapaz? Noite difícil? — Ele perguntou com seu habitual tom jovial. — Eu também demorei a me acostumar com as enguias, sabe.

        — Não, não é isso — passei uma mão no rosto tentando me trazer de volta à realidade. — Acho que estou com muita coisa na cabeça. Tem muita coisa pra assimilar aqui.

        — Oh, não, eu conheço esse olhar — Dimas deu uma gargalhada. — Andou vendo uma mulher, não é, rapaz? Deu uma escapada na noite passada, quem diria.

        — Não! Digo... não é bem isso... — não pude evitar corar. — Foi apenas... como posso dizer?

        — Não precisa explicar, meu caro Miguel, eu também já fui jovem — ele lançou um olhar de cumplicidade e acrescentou. — Mas, você tem que ter cuidado com as japonesas, rapaz. Elas são diferentes, em vários aspectos, difíceis de entender, e não estou falando do idioma.

        — Claro... vou me lembrar disso — respondi meio sem jeito. Imaginei que era melhor deixá-lo pensar assim que contar a verdade.

        Aliás, que verdade? Que eu tive um sonho muito real com uma mulher sobrenatural?

O Conto da RaposaOnde histórias criam vida. Descubra agora