Os dias estava ficando notoriamente mais frios, eu podia sentir no ar que o inverno se aproximava a galope. A terra, assolada pela guerra, não fora capaz de produzir muito este ano, certamente muitos morreriam de fome.
"Mais uma guerra mesquinha, travada por homens mesquinhos", uma voz no canto da minha mente sussurrava, "não vejo por que eu deveria me importar". E mesmo assim, aqui estou, percorrendo cidade após cidade, ajudando esses homens, recebendo olhares tortos de dois a cada três deles.
Eu só não esperava encontrar um cenário pior do que encontrara em Odawara. É o que eu ganho por tentar ser otimista. Meu pai pagou caro por ser otimista.
Eu encontrei o homem caído de bruços à beira do rio, uma flecha alojada atrás do ombro direito. Eu o virei com cuidado e constatei que ele tinha um corte de espada no flanco esquerdo do qual o sangue fluía profusamente. Ele ainda respirava.
O homem não era samurai. Talvez fosse um agricultor. Talvez vivesse o bastante para me contar, não que eu me importasse. A flecha encontrou a cintura escapular sem maiores danos e o corte, por pouco, não acertou o rim.
Quando eu terminava de fechar o corte, o homem fez uma careta de dor e abriu seus olhos. Os olhos mais gentis que eu já vi. Em seguida, me ofereceu um sorriso bobo que fez meu coração acelerar por um segundo, quase me desconcertando.
Tudo escureceu...
A primavera chegou como um alento. A população ali havia sido reduzida substancialmente. A garota raquítica, que por pouco não perdera a perna no outono passado, veio correndo me buscar e me conduzir até um casebre velho.
O homem estava lá. Seu estado inspirava bem menos preocupação desta vez: um olho roxo, o nariz talvez estivesse quebrado, o ombro esquerdo deslocado. O samurai desta vez deve ter considerado a afronta bem menos grave.
Eu o repreendi severamente por sua imprudência, mas ele apenas sorria para mim. Dizia que cabia a cada um de nós combater as injustiças para fazer do mundo um lugar melhor. Abster-se não era uma opção, dizia ele.
Seu excesso de ideologia me embrulhava o estômago, mas eu também não podia evitar admirar sua convicção. Ele lutava com as armas que tinha, por mais desarmado que ele geralmente se encontrasse.
Tudo escureceu...
O verão se aproximava do fim quando eu retornei ao vilarejo. Eu me peguei retornado ao local com cada vez mais frequência, meu raio de atuação havia se reduzido drasticamente, por um medo inconsciente de me afastar demais de lá.
Pela primeira vez, eu encontrei o homem sem qualquer ferimento. A guerra havia se afastado dali, mas ninguém podia garantir por quanto tempo essa paz duraria, ninguém acreditava que ela duraria. Exceto ele.
Com essa convicção, ele ajudava na reconstrução das casas. Ele sorriu ao me ver. Disse que construiria uma casa para mim, para que eu tivesse onde ficar quando passasse. Eu o repreendi, disse que não fazia sentido desperdiçar recursos com uma viajante.
— Então talvez eu possa convencê-la a ficar.
Seu sorriso nunca deixava claro se ele falava a sério. Meu coração acelerou instantaneamente. Eu funguei para esconder meu desconcerto, escondi meu rosto atrás do chapéu de palha e saí para tratar dos enfermos.
Tudo escureceu...
A neve caía em profusão, dificultando a visão e a caminhada, mas nada me impediria de chegar ao casebre. A notícia que chegou até mim foi de que o homem tentara abater um urso. Ele queria usar sua pele para aquecer as pessoas.

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O Conto da Raposa
FantasyATENÇÃO! Este livro será removido em breve. Vencedor do Prêmio Wattys 2021 na categoria Ficção Histórica. O que é realidade? Eu sempre me esforcei para resumir a realidade ao universo palpável, a tudo aquilo que a sociedade descreve como normal. Tud...