13 - Adeus

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Conforme eu me reabilitava, os dias foram passando. Momoe, com pude observar, era uma mulher de hábitos precisos, realizando as tarefas do dia-a-dia com delicada destreza, com a típica devoção que eu observara também no povo japonês em geral.

        Ela mantinha a cabana organizada, saía para coletar suas ervas, cuidava de suas plantas, eventualmente viajava até as estradas para negociar e algumas noites, pude reparar, desaparecia sem qualquer explicação, e eu não me sentia à vontade para questioná-la, considerando a hospitalidade que ainda me oferecia.

        Ao menos duas vezes ao dia, ela checava como andava a minha recuperação. Imagino que nem o doutor Benjamim conheça algumas das ervas que ela utiliza, e tenho certeza de que ele ficaria espantado com a rápida melhora que elas estavam me proporcionando.

        Seu conhecimento medicinal, aliás, era não menos do que espantoso. Boa parte desse conhecimento era registrado em vários documentos, livros e pergaminhos que ela mantinha na cabana, desconfio que alguns escritos pela própria Momoe. Alguns traziam desenhos detalhados, seja da anatomia humana, seja de plantas com propriedades especiais. Infelizmente todos escritos com os curiosos caracteres orientais.

        Não era raro ter a chance de vê-la trabalhar com suas ervas. Nos primeiros dias, no entanto, eu me sentia fraco demais para me interessar por qualquer coisa. Foi só na segunda semana que eu decidi observá-la mais de perto.

        Tínhamos acabado de almoçar algumas frutas e eu a observava preparar uma de suas misturas. O estrato produziu uma tinta verde que manchava suas mãos, e quando ela limpou o suor da testa uma leve risca cor-de-abacate se projetou logo acima da sobrancelha.

        Eu manquei até ela para oferecer ajuda e ela aceitou sem produzir qualquer som. Momoe estava com os cabelos presos num coque simples com o auxílio de um comprido enfeite. Enquanto trabalhava, eu pude reparar numa pequena cicatriz em sua nuca, logo abaixo do couro cabeludo. Claro que isso seria terreno perigoso com qualquer mulher, então evitei ficar olhando para ela e me arrisquei em outra direção.

        — Momoe, posso lhe fazer uma pergunta?

        — Não seria a primeira — ela disse sem desviar a atenção.

        — Certo... — fiquei constrangido pelo fato incontestável, mas prossegui mesmo assim. — De onde veio todo esse seu conhecimento sobre plantas?

        Ela continuou trabalhando no preparo com uma expressão séria. A impressão que tive foi de que aquele também era um tema delicado.

        — Não precisa responder se não quiser.

        — Aprendi alguma coisa com meu pai — ela disse, enfim. — Ele passou boa parte da vida em florestas, aprendendo sobre essas coisas. Foi assim que ele... o resto eu aprendi aqui e ali, ou com livros que encontrava.

        Tudo bem, não devo pressionar aqui, mas foi um começo.

        — Você poderia ganhar muito dinheiro com esses remédios.

        — É mesmo? — Sua voz evidenciou certo desdém.

        — Claro. Você tem coisas aqui para tratar de uma enorme variedade de problemas. As pessoas pagariam uma fortuna por eles.

        — E o que eu faria com esse dinheiro?

        — O que você quisesse – eu comecei a vacilar. — Poderia comprar comida.

        Ela finalmente desviou o olhar para mim

        — A floresta me dá toda a comida de que eu preciso.

O Conto da RaposaOnde histórias criam vida. Descubra agora