De tempos em tempos, eu me pego pensando nos meus erros e acertos, pensando se eu poderia ter feito algo diferente e se as consequências seriam benéficas. Racionalizar quando os fatos estão no passado é muito mais fácil e mesmo assim, prever todas as ramificações de nossas ações é praticamente impossível.
O fato é que por mais que tentemos planejar nossas vidas, a vida frequentemente nos força a improvisar e quando nos vemos com apenas uma fração de segundos para tomar uma decisão, ela geralmente é tomada por um impulso.
Algumas pessoas chamam isso de instinto, mas eu considero impulso e instinto duas coisas diferentes. A primeira geralmente é determinada pelo momento e é facilmente contaminada por conceitos contestáveis.
O instinto, por outro lado, tem origem nas nossas experiências pessoais, no nosso conhecimento, mesmo aquele o qual não temos noção de possuir. Ele surge do nada, como uma ideia instantânea, porém, ele possui bem mais embasamento do que imaginamos. Por falta de uma palavra melhor, eu diria que o instinto é mais lógico.
Eu não posso nem contar o número de vezes em que eu paguei caro por não dar ouvidos aos meus instintos. O que me deixa ainda mais frustrado quando eu penso no assunto é que agora eu vejo que eu tinha razão, mas preferi seguir por outro caminho. Igualmente numerosas foram as ocasiões em que eu agi por impulso.
A mais recente me levara a esta cabana. Infelizmente essa não seria a última...
Minha anfitriã certamente vive seguindo seus instintos. Na verdade, todas as suas ações parecem ser metodicamente calculadas, mas eu não tenho dúvidas de que ela sabe se virar quando precisa improvisar. Sua bagagem deve desempenhar um papel importante nisso.
Momoe é, sem dúvida, o quebra-cabeças mais complexo que eu já conheci, e a minha impressão é de que eu não tenho metade das peças para montá-lo. Os dias de chuva que vieram quase que ininterruptamente ajudaram me dando um pouco mais de tempo. Aliás, eu descobri como o Japão pode ser chuvoso. Às vezes, a água caía durante o dia todo.
O tempo de convívio foi aos poucos amolecendo a mulher. Ela não se abria para mim a ponto de me contar sua história, mas ao menos nossas conversas foram perdendo a seriedade e eu pude, enfim, conhecer seu sorriso. Senti meu peito pesado quando lembrei que teria que partir eventualmente.
Certo dia, ela voltou de uma viajem trazendo trajes japoneses masculinos. Eram trajes simples, leves como os dela, de cor cinza e obi preto. Eu usava a mesma roupa há dias. Meu novo traje caiu como uma luva, melhor do que o antigo, na verdade.
Momoe se aproximou para me mostrar como amarrar o obi, e eu pude ver dentro dos olhos dela. Não eram negros como eu havia pensando a princípio, mas de um tom de azul tão escuro e profundo, que seria impossível notar de longe, ou sem uma luz direta sobre eles. Eu jamais tinha visto olhos como aqueles, e imaginei que ela talvez fosse mestiça.
Momoe não tinha características notoriamente orientais, não como os demais japoneses que conheci. Todos ali carregavam, de certa forma, as mesmas características, os olhos repuxados, os cabelos negros e lisos, as maçãs do rosto altas, algo de se esperar de um povo com pouco ou nenhum contato com estrangeiros. Dimas me contou que os povos do norte da Europa também eram muito parecidos entre si.
Ela, no entanto, tinha um ar exótico se comparada com seu povo, seus cabelos tinham um pouco mais de movimento, não eram tão lisos, os olhos levemente mais arredondados, pequenos detalhes quase imperceptíveis. Certa noite, arrisquei perguntar sobre seus pais, e ela se limitou a dizer que morreram há muito tempo.

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O Conto da Raposa
FantasyATENÇÃO! Este livro será removido em breve. Vencedor do Prêmio Wattys 2021 na categoria Ficção Histórica. O que é realidade? Eu sempre me esforcei para resumir a realidade ao universo palpável, a tudo aquilo que a sociedade descreve como normal. Tud...