Não sei bem o que aconteceu depois, nem quanto tempo se passou, mas eu devo ter ficado ali naquela clareira por horas, sozinho aos pés do pessegueiro sem qualquer pensamento consistente.
Já durante a madrugada eu fui para a cabana sem saber exatamente o que esperava encontrar por lá. É claro que tudo o que encontrei foi uma cabana vazia.
Quando o sol entrou pela porta da cabana, eu decidi que era hora de ir, precisava amarrar as pontas soltas. Fui uma última vez até o precipício e encontrei Oka sentado, olhando para o horizonte. Não sei há quanto tempo ele estava ali.
— Oka?
O satori olhou por cima dos ombros e logo voltou a olhar para o horizonte à frente.
— A Momoe... ela se foi.
— Eu sei — ele disse. — Eu vi. Se eu tivesse sido mais rápido e trazido o samurai alto mais cedo, ela...
Então essa era sua missão, encontrar o líder dos samurais.
— Não havia nada que você pudesse ter feito. Tudo estava convergindo para acabar ali. Na verdade, ela foi a única capaz de mudar alguma coisa.
Oka nada disse. Eu me aproximei do precipício onde ele estava sentado, onde há poucas semanas, Momoe me salvara da queda. Avistei o local onde Dimas e eu fomos atacados, meu amigo fora decapitado e ela havia me dado uma brecha para escapar. Momoe me salvou tantas vezes e eu não fui capaz de salvá-la uma única vez.
— Sinto muito pelo seu amigo — Oka disse.
— É, eu também — não me dei ao trabalhar de perguntar como ele sabia.
Eu me virei para ir embora, e quando dei os primeiros passos, ouvi Oka se levantando.
— Você também vai embora?
— Sim, eu tenho coisas a resolver.
— Eu vou ficar de olho na cabana até você voltar.
— Sim, faça isso. Mas eu não vou voltar, Oka.
— Mas você deveria ficar.
— Este não é o meu lugar, Oka — eu disse por cima dos ombros, já voltando a caminhar.
— Então qual é o seu lugar?
Eu estaquei diante da pergunta. Qual é o meu lugar? Eu passei a minha vida procurando meu lugar no mundo, uma vida que sequer deveria ter começado, uma vida que deveria ter acabado na noite anterior. No final, eu não tinha uma reposta para essa pergunta.
— Eu não sei, Oka. Eu não sei.
Deixei o satori sozinho e parti rumo à civilização. Refiz o percurso que percorrera no dia anterior sem as chamas mágicas para me guiar, o feitiço havia morrido junto com a sua conjuradora. No entanto, não foi difícil encontrar o caminho até a estrada a partir do pessegueiro solitário.
Já na estrada encontrei o pai de Kotarou. Ele disse que se chamava Higen, e meu pediu perdão pelo ocorrido. Aparentemente o líder dos samurais havia lhe explicado o que realmente aconteceu, sobre seus homens insubordinados e o verdadeiro assassino de seu filho, e lhe pedido perdão.
Eu me esforcei para dar mais detalhes do ocorrido ao homem, incluindo meu encontro com o Tatarimoke. Depois do que o homem viu na noite passada, imaginei que isso não seria um grande problema e que talvez lhe desse algum alento.
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O Conto da Raposa
FantasyVencedor do Prêmio Wattys 2021 na categoria Ficção Histórica. O que é realidade? Eu sempre me esforcei para resumir a realidade ao universo palpável, a tudo aquilo que a sociedade descreve como normal. Tudo o que não se encaixa nesse contexto só enc...